O filme Vitalina Varela é um interessante caso em que ficção e documentário se fundem. O longa conta parte da história da personagem título, uma pessoa real, interpretada por ela mesmo. Por isso, o roteiro tem assinatura dela e do diretor, o português Pedro Costa. Este já transitou por esse mix de gêneros em Juventude em Marcha (2006) e na sua sequência Cavalo Dinheiro (2014), quando dirigiu Vitalina Varela, que fazia parte do elenco deste último. Então, Costa repete a experiência de No Quarto de Vanda (2000), no qual retratou a vida de Vanda Duarte, atriz de seu filme Ossos (1997). Aliás, tal ousadia de Pedro Costa renderia ao crítico e teórico de cinema André Bazin um novo capítulo ao seu livro “O Realismo Impossível”, se estivesse vivo.
Apesar de ser uma obra encenada, seria difícil demandar autenticidade maior a Vitalina Varela. Nascida em Cabo Verde, casou-se com Joaquim, mas este se muda em 1977 para os arredores de Lisboa, para trabalhar como pedreiro. Ele promete à esposa que comprará uma passagem para ela se juntar a ele em Portugal. Por sua vez, Joaquim retorna apenas duas vezes a Cabo Verde. Na primeira viagem, o casal começa a construir uma casa, aquela que Vitalina menciona durante o filme, e que vemos em flashback. No segundo retorno, Joaquim mal chega e desaparece de volta para Lisboa. O filme começa com a morte de Joaquim, e a tão aguardada viagem de Vitalina para Portugal acontece, mas ela alcança o destino três dias após o enterro do marido falecido.
Um quadro amargo
Durante duas horas, o longa de Pedro Costa retrata a amargura de Vitalina Varela na precária moradia do finado no bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa. Mas, por que ele preferiu viver aqui nessa casa tão pequena e apertada se eles construíram uma muito melhor em Cabo Verde? E por que ele não respondia suas cartas? Por que nunca voltou ou mandou o dinheiro da passagem? Assim, Vitalina remói suas dúvidas que nunca terão respostas.
Esse retrato amargo ganha a beleza da fotografia de Leonardo Simões, constante colaborador de Pedro Costa. Sempre com a câmera fixa, cada plano lembra um quadro, e o diretor mantém tudo dentro dele quase imóvel. Ademais, o plano permanece na tela pelo tempo suficiente para que o espectador possa apreciar como uma pintura renascentista num museu. O visual, aqui, tem preferência aos diálogos. O tom escuro combina com as construções labirínticas de concreto sem acabamento, as janelas que parecem escotilhas, e as pesadas portas de ferro. As filmagens acontecem de noite ou em ambientes internos com pouca luz. De fato, são poucas as cenas à luz do dia, e ainda assim, encobertas por grossas nuvens.
Assim, Vitalina Varela reafirma, com sua mistura entre documentário e ficção, e sua característica essencialmente pictórica, como uma obra diferenciada, a ser apreciada por poucos.
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Ficha técnica:
Vitalina Varela | Vitalina Varela | 2019 | Portugal | 124 min | Direção: Pedro Costa | Roteiro: Pedro Costa, Vitalina Varela | Elenco: Vitalina Varela, Ventura, Manuel Tavares Almeida, Francisco Brito, Imídio Monteiro, Marina Alves Domingues.
Distribuição: Zeta Filmes.