Embora seja um drama romântico, 3 Corações (3 Coeurs) provoca com mistérios. Trata-se de um triângulo amoroso, como o seu título indica. Porém, a sua trilha musical inclui alguns acordes que evocam o suspense. Soam até dissonantes em relação ao que se passa na narrativa, principalmente na primeira metade do filme. Parece propor que nessa relação a três alguém cometerá um crime. Ou então que existe algum segredo tenebroso que o enredo reserva para mais adiante. Aliás, a própria trama também instiga questionamentos.
Marc (Benît Poelvoorde) conhece Sylvie (Charlotte Gainsbourg) por acaso, na pequena cidade onde ela vive. Os dois marcam um encontro dali a uns dias em Paris, onde mora Marc. Mas devido a um problema no trabalho, ele chega tarde demais, quando ela já foi embora. Então, desiludida, Sylvie se muda para os Estados Unidos com o marido que não ama. Enquanto isso, Marc, aconselhado a levar uma vida mais tranquila, decide se mudar para essa mesma cidade do interior. Após um tempo, Marc se casa com Sophie (Chiara Mastroianni), sem saber que ela é irmã de Sylvie.
Mas, quando ele descobre o parentesco, ficamos intrigados com o fato de Marc evitar que Sylvie descubra que ele é agora seu cunhado. Afinal, o que haveria de errado em ele namorar e se casar com a irmã de uma pessoa com quem ele teve um rápido flerte? E, mais para frente, por que Sophie também esconde isso de sua irmã?
A presença de Truffaut
A resposta a essas indagações eleva o filme do diretor Benoît Jacquot. Cineasta mediano, Jacquot busca inspiração no cinema maior de François Truffaut para colocar seu drama romântico em um patamar superior. Dessa forma, 3 Corações vai além do drama romântico e alcança o amor trágico, a paixão avassaladora, como nos filmes de Truffaut. Daí vem a justificativa daquela trilha musical imbuída de suspense.
Formalmente, a confirmação da inspiração truffautiana se encontra na inesperada narração vindo de uma voz que não pertence à narrativa. É como se fosse um livro escrito em terceira pessoa, aproximando cinema e literatura, característica marcante desse diretor da nouvelle vague. Aqui, Jacquot usa essa narração para demonstrar a passagem do tempo. Poderia ser resolvido com uma simples cartela, mas Jacquot parece querer evidenciar sua referência a Truffaut.
Por outro lado, o filme traz um paralelo banal, que vimos recentemente em O Pior Vizinho do Mundo (A Man Called Otto, 2022). Ou seja, o simbolismo do órgão humano, o coração, com seu sentido metafórico mais usual, o do sentimento. Assim, Marc amou demais, e seu coração não aguentou. Não precisava o roteiro diminuir esse simbolismo, revelando o estresse do personagem em seu trabalho como auditor fiscal. Afinal, o tema essencial é esse, o amor extremo leva à tragédia, como tão bem abordou François Truffaut e como Benoît Jacquot conseguiu, ao menos, copiar.
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Ficha técnica:
3 Corações | 3 Coeurs | 2014 | 108 min | França, Alemanha, Bélgica | Direção: Benoît Jacquot | Roteiro: Benoît Jacquot, Julien Boivent | Elenco: Benoît Poelvoorde, Charlotte Gainsbourg, Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve, André Marcon, Patrick Mille.