Em seu filme anterior, Pedro e Inês (2018), o diretor português António Ferreira construiu uma intrincada trama baseada no livro “A Trança de Inês”, de Rosa Lobato de Faria. Desta vez, em A Bela América, trabalha a crítica social em um enredo menos complexo.
No filme, Lucas (Estêvão Antunes), é um cozinheiro que trabalha com delivery. Na primeira cena, filmada quase num só plano-sequência, ele e sua mãe (Custódia Gallego) são brutalmente despejados do apartamento onde moram por não pagarem o aluguel. Então, acabam se mudando para um barraco que pertence a um amigo de Lucas. A esperta candidata à presidência América (São José Correia) vê ali uma oportunidade de se promover. Logo grava um depoimento ao lado da dupla usando-a como símbolo das injustiças sociais que ela pretende combater.
Lucas se apaixona por América, e tenta conquistá-la de uma forma inusitada: invadindo sua casa e, secretamente, preparando pratos que ele cria para ela. Escondido, ela observa sua amada durante a degustação, sentido nesse ato um prazer comparável ao sexo. Por outro lado, Lucas é alvo do afeto de sua parceira de negócio Noémia (Daniela Claro), que desconfia da veracidade do perfil político de América.
Escolhas da direção
Chamam a atenção algumas das escolhas do diretor António Ferreira. Para começar, o bizarro figurino do protagonista, que quase sempre veste um blusão de agasalho esportivo de cor azul claro. Talvez a intenção seja revelar sua condição social, de pessoa simples, porém, se sobressai um ar de infantilidade, que leva a uma impressão cômica que está dissociada do drama que acompanhamos na história. O filme tem humor sim, mas não aquele de um tipo equivalente ao atrapalhado Pee Wee (o personagem que o ator americano Paul Reubens encarnou em vários filmes), embora a semelhança física seja difícil de ignorar.
Além disso, os pratos que Lucas prepara possuem ingredientes nada comuns, entre eles, formigas e um gato. Suspeitamos que a proposta seja levar a pobreza até o luxo. Faria todo o sentido, e se alinharia com a mensagem crítica de A Bela América. Aliás, para se chegar ao barracão de Lucas, é preciso descer uma escada íngreme, reforçando a sua posição social. E, como afirma América, pouquíssimas pessoas conseguem subir para o nível mais alto. Por fim, como ela própria demonstra, quem está lá em cima não quer mais saber de quem está embaixo.
Esse humor cínico marca o filme, que é bem filmado e só escorrega mesmo nessa aproximação da imagem do protagonista com um humor mais popular. Como vemos, o cinema, sendo um esforço de equipe, depende que todos os setores façam um belo trabalho. Aqui, o escorregão veio do figurino. Mesmo assim, o filme mantém sua provocação.
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Ficha técnica:
A Bela América | 2023 | Portugal, Brasil | 102 min | Direção: António Ferreira | Roteiro: António Ferreira, César Santos Silva | Elenco: Estêvão Antunes, São José Correia, Custódia Gallego, Carlos Areia, Daniela Claro, João Castro Gomes, João Damasceno.
Distribuição: Pandora Filmes.
Trailer aqui.