Terceiro longa do diretor mexicano Alonso Ruizpalacios, A Cozinha está na programação da 48ª Mostra, competindo na Perspectiva Internacional. Um filme com forma exuberante, mas narrativa, baseada em peça de Arnold Wesker, oca.
O cenário é a Nova York dos trabalhadores, uma vida dura, aspecto ressaltado pela fotografia em preto e branco. Na abertura, a imagem ainda ganha um efeito borrado, em cima da câmera lenta que acompanha a chegada da jovem mexicana Estela (Anna Diaz) ao restaurante The Grill, onde um amigo de infância, Pedro (Raúl Briones), trabalha. A câmera a acompanha pelos labirínticos corredores dos fundos, com sombras que lembram film noir. O estiloso efeito acima descrito só termina quando a perspectiva muda para outro personagem.
Mas, nenhum enquadramento passa incólume ao capricho do diretor Ruizpalacios. Quando Estela se senta para aguardar, ela está na parte inferior, debaixo de um grande espaço opressor. Enquadramento, aliás, que lembra Ida (2013), de Pawel Pawlikowski. A recomendação do amigo e um misto de sorte e esperteza dão certo e ela passa na entrevista com o pouco confiável gerente Luis (Eduardo Olmos).
Estela já começa a trabalhar imediatamente, como auxiliar de Pedro na ilha de culinária latina. Várias nacionalidades integram o corpo de funcionários do restaurante de Rashid (Oded Fehr). Essa mistura de origens gera uma longa sequência, filmada como um plano único, da frenética corrida para atender os pedidos dos clientes quando o estabelecimento abre para o almoço. Parece uma dança acelerada, mas com pessoas tensas, xingando umas às outras. Nada pessoal, apenas trabalho, uma colega experiente alerta Estela. Mas, dá separar essas duas dimensões? Reside aí o tema principal do filme.
Burnout inevitável
A fim de individualizar essa questão, o enredo desenvolve a relação entre Pedro e Julia (Rooney Mara). Ela está grávida dele, e agendou para esta tarde um aborto. Mas, ele não concorda, e sonha em viverem juntos. Discutem, fazem sexo (criativa cena no frigorífico com a luz intermitente). Um pouco das outras facetas desses personagens aparece em flashes da infância de Pedro com o pai, com quem não se dá bem; e na conversa ao telefone de Estela com uma pessoa importante em sua vida (sem revelar quem é).
Contudo, essa intenção, quando ampliada para outros personagens drena o entusiasmo que o estilismo criou até então. Estela, que parecia ser a protagonista, assume posição de coadjuvante. Uma longa sequência com alguns dos funcionários contando seus sonhos chega a dar sono. A conclusão apela para a explosão que emerge do burnout inevitável desse ambiente caótico.
A Cozinha é um claro exemplo de que um filme não se constitui apenas de forma. Ainda assim, com uma narrativa incompleta, estimula o espectador com uma surpresa estilística após a outra.
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Ficha técnica:
A Cozinha | La Cocina | 2024 | México | 139 min. | Direção: Alonso Ruizpalacios | Roteiro: Alonso Ruizpalacios | Elenco: Raúl Briones, Rooney Mara, Anna Diaz, Motell Foster, Oded Fehr, Eduardo Olmos, Laura Gómez, Lee Sellars.