“A Fábrica de Nada” é um ousado filme do diretor português Pedro Pinho. Ainda em seu segundo longa-metragem de ficção, Pinho transformou uma peça de teatro baseada no fato real da ocupação de uma fábrica de elevadores da Otis pelos seus empregados, que conseguiram fazer a autogestão da empresa. A ousadia está no flerte com vários gêneros cinematográficos, inseridos no drama social e político de forma inusitada.
Elenco e personagens
O elenco, sem protagonista principal, é formado por não-atores, exceto pela responsável pelo RH, interpretada pela atriz Joana Pais de Brito. Majoritariamente, eles são operários que enchem de autenticidade os longos diálogos que seriam difíceis de assimilar e interpretar mas que soam como verbalizações de seus verdadeiros pensamentos. Por isso, eles se exaltam nas discussões em grupo dos trabalhadores da fábrica que está por fechar e querem resistir às demissões através da ocupação das instalações.
Quem os apoia intelectualmente é um espanhol, aparentemente um sociólogo, que os incentiva a assumirem a autogestão. É uma figura que surge às vezes como um estudioso num debate aprofundado com outros especialistas em torno de uma mesa, fora do ambiente da fábrica. Ou, alegoricamente, como um diretor de cinema na inesperada sequência musical em que os operários comemoram cantando e dançando o primeiro pedido de compras recebido após assumirem a gestão.
Outros personagens também são acompanhados em sua vida pessoal, principalmente o jovem Zé, que vive com uma brasileira que tem um filho pré-adolescente. Vemos Zé com seu pai, fazendo sexo com sua parceira, brincando com o enteado, mas no grupo de operários ele tem a mesma importância que os demais companheiros. Além dele, o filme acompanha até os personagens ligados a ele, e que se desprendem dele. Por exemplo, o enteado convivendo com o pai de Zé, e a parceira se relacionando com sua amiga.
As duas cenas de sexo de Zé e sua parceira enquadram os amantes em close. A primeira, em close normal, em recortes proporcionais a um rosto, transpira sensualidade. A segunda, em close extremíssimo, encaixa somente um dos olhos na tela, perturba e se alinha ao sentimento dessa mulher frente ao sexo pelo sexo.
Profundidade individual
Enfim, são vários personagens, que não se limitam a uma superficialidade que poderia dificultar a empatia do espectador ou mesmo a individualização de cada um. Por isso, o filme se esforça em reservar um espaço para que cada um possa se aprofundar um pouco. Isso, em parte, explica as quase três horas de duração de “A Fábrica de Nada”. Porém, o ritmo mais cadenciado é uma opção do diretor Pedro Pinho, ao optar por cenas longas, preservando a emoção captada e a naturalidade da atuação. Pinho, inclusive, mantém a câmera fixa mesmo quando um dos atores sai do quadro.
Por outro lado, “A Fábrica de Nada” levanta teses importantes sobre o trabalho, e sua relação com o capital. Enquanto as discute na tela, não se posiciona radicalmente, preferindo levantar as questões do que defender a opinião de seus realizadores. O filme, porém, implicitamente revela a presença opressora das indústrias, sempre presentes na paisagem urbana dos arredores de Lisboa, por onde os personagens circulam.
Visão cruel do capitalismo
Adicionalmente, a sequência na primeira parte, onde o pai de Zé prepara um coelho que caçou para comer mais tarde, abrindo o bicho e retirando suas entranhas, possui uma visão cruel. Com isso, ela prepara o espectador para o que virá pela frente. Ou seja, o capitalismo em desequilíbrio que resulta na luta pela sobrevivência entre patrões e empregados.
Como resultado, “A Fábrica de Nada” conquistou o FIPRESCI, o prêmio dos críticos, em Cannes em 2017. Um prêmio merecido para um filme que incita o questionamento do público, através de variados personagens, situações, gêneros e ritmo que afugentam o conformismo. Alias, conformismo é uma característica que não pode ser aplicada ao seu realizador, o promissor Pedro Pinho.
Ficha técnica:
A Fábrica de Nada (A Fábrica de Nada, 2017) Portugal. 177 min. Dir: Pedro Pinho. Rot: Tiago Hespanha, Luisa Homem, Leonor Noivo, Pedro Pinho. Elenco: José Smith Vargas, Carla Galvão, Njamy Sebastião, Joaquim Bichana Martins, Danièle Incalcaterra, Hermínio Amaro, João Santos Lopes, Paulo Vitorino, Rui Ruivo, António Cajado Santos, Zé Pedro, Arlindo Miguel, Boris Nunes, Euclides Furtado, Fernando Lopes, Sandra Calhau, Ricardo Gonçalves, Dinis Gomes, Helena Cavacas Veríssimo, Joana Pais de Brito.
ASSISTA: O diretor Pedro Pinho fala sobre seu filme após a pré-estreia em São Paulo:
TRAILER: