Corpo e Alma (Teströl és lélekröl, 2017), filme anterior da diretora húngara Ildikó Enyedi, é um drama romântico distinto pela sua frieza. O seu casal de protagonistas se destaca por serem pessoas solitárias e que não se sentem atraentes. Encontramos o oposto em A História da Minha Mulher (A feleségem története). A única característica que aproxima os personagens principais dos dois filmes é a solidão de Jakob Störr (Gijs Naber). Porém, ficar sozinho não é uma escolha pessoal, mas resultado de sua profissão de capitão de navio cargueiro. Será?
O gatilho da trama soa um tanto simplório. Quando Jakob comenta sobre suas dores no estômago com o cozinheiro do navio, este lhe recomenda se casar. Assim, num almoço em terra com seu amigo Kodor (Sergio Rubini), brinca que se casará com a primeira mulher que entrar no restaurante. Após o amigo partir, ele resolve levar o desafio a sério, e propõe casamento a uma mulher desconhecida, Lizzy (Léa Seydoux). Para sua surpresa, ela aceita e, dessa forma, começa a história desse nada ortodoxo relacionamento.
Parte do acordo
A adaptação do romance “The Story of My Wife: The Reminiscences of Captain Storr”, de Milán Füst, se divide em sete capítulos – o único traço de cinema moderno nesta direção clássica de Ildikó Enyedi. Logo notamos que o viril capitão dos mares se transforma num molenga como marido. Lizzy está sempre um passo a frente dele. Como espectadores, não testemunhamos casos de infidelidade da esposa, mas sabemos que ela tem até um relacionamento duradouro com o amante Dedin (Louis Garrel).
Antes de se casar, Jakob afirma que aceitaria casos extraconjugais como “parte do acordo”, já que ele sabe que passa meses fora de casa por conta de seu trabalho. A princípio, ele assume essa posição, mas com o tempo acaba se portando como um típico marido traído, inclusive contratando um detetive para espionar a esposa. Mas, quando ele tenta se comportar da mesma forma, não consegue.
Direção impecável
O filme faz questão de mostrar que essa vida de casado, ainda mais com essas características, não serve para o protagonista. Por isso, traz em seu início imagens de baleias dentro do mar, e elas retornam no final, como metáforas do começo e fim desse trecho da vida de Jakob. Além disso, para enfatizar essa convicção, o personagem é visto através de uma claraboia, como se determinando os seus limites, ou seja, como capitão de um navio.
Aliás, molduras dentro do enquadramento, como essa claraboia, estão espalhadas pelo filme. Às vezes, para a diretora direcionar o olhar do espectador. Em outros momentos, para dar algum significado extra, metafórico. Nesse sentido, o emprego do espelho como sinal do duplo aparece reiteradamente para a personagem Lizzy, que tem comportamentos dúbios, e em apenas uma cena para Jakob, num momento de confusão.
A História da Minha Mulher, com suas quase três horas de duração, se aproxima de épicos que contam a vida inteira de seu protagonista. Mas, aqui são apenas alguns anos, aqueles que Jakob se desviou de sua rota principal como capitão de navio, para lidar com um relacionamento com mais pontos baixos do que altos. A intenção de Ildikó Enyedi é se aprofundar no seu protagonista, um homem incapaz de navegar pelos meandros da vida social. Com ressalvas para a tendência de sempre filmar uma cena de vômito para expressar o nervosismo de um personagem, temos aqui uma direção impecável. O filme é um drama lento mas absorvente.
Ficha técnica:
A História da Minha Mulher | A feleségem története | 2021 | 169 min | Alemanha, França, Hungria, Itália | Direção e roteiro: Ildikó Enyedi | Elenco: Léa Seydoux, Gijs Naber, Louis Garrel, Sergio Rubini, Jasmine Trinca, Luna Wedler, Josef Hader, Udo Samel, Ulrich Matthes, Romane Bohringer, Sandor Funtek, Nayef Rashed, Beniamino Brogi, Simone Coppo, Herman Gilis, Michael Kehr, Julia Droste.
Distribuição: Pandora Filmes.