A maior virtude de A Hora do Desespero (Lakewood/The Desperate Hour) é a rapidez com que as coisas acontecem. Até a metade do filme, que tem a bem-vinda duração de 84 minutos, a protagonista vivida por Naomi Watts passa da desconfiança de que algo pudesse ter acontecido a seus filhos para a constatação (falsa, mas ainda não sabemos disso) de que seu filho se tornou um psicopata assassino. O sentimento dessa personagem, sozinha num parque onde tinha ido correr, sem conseguir chegar à escola porque está longe para caminhar e porque nenhum motorista de aplicativo passa pelos bloqueios policiais da região, chega até nós como um projétil, graças à interpretação de Naomi Watts, que está bem convincente como a mãe viúva de um adolescente problemático.
Uma outra virtude é deixar claro o envelhecimento da atriz, então com 52 anos. Em tempos de corpos sarados e rostos cheios de harmonização facial, é ótimo ver um rosto com sinais do tempo, ainda mais quando sabemos que uma atriz tem muitas dificuldades de receber convites no mínimo razoáveis depois dos 40 anos, que diremos após os 50. Um convite de Phillip Noyce pode não ser grande coisa, já que sua obra cinematográfica é, convenhamos, medíocre. Mas é um diretor veterano, com alguns suspenses no currículo. Talvez com um bom roteiro e uma atriz como Watts, possa fazer um feijão com arroz decente.
Equívocos
Mas o filme não é feito só de virtudes. Os problemas surgem em dose cavalar, desequilibrando a balança para o lado negativo. O primeiro problema é logo notado. A fotografia faz com que a vegetação da região pareça toda de plástico em algumas cenas, a não ser quando a câmera acompanha Naomi Watts correndo pela estrada que corta o parque. Se a câmera vai para o alto ou procura um jogo de enfoca-desfoca dos mais banais, danou-se. Pior que o filme foi realizado em Ontário, no Canadá, uma região lindíssima, com essa vegetação colorida especial. Mas a fotografia faz parecer de plástico. Caso evidente de equívoco visual.
Um outro problema é a câmera. Quando persegue a atriz em corrida, tudo bem, faz todo o sentido que a câmera chacoalhe também. Já quando a atriz está parada, descansando ou conversando com alguém, seria de bom tom uma câmera mais atenta, que observasse melhor os gestos e, assim, valorizasse o trabalho da atriz. Mas Noyce entende, como 90% dos diretores atuais, que um filme tenso precisa ter uma câmera tensa, quando não mal operada.
Temos ainda a trilha sonora, de uma obviedade assustadora, que parece tirada de outros filmes. Mas esse é um problema que só incomoda quando está junto de outros, mais graves. Aceitaríamos a trilha de bom grado se fosse somente ela o ponto fraco.
Quanto mais sabemos…
O maior problema, contudo, atinge a estrutura do filme, e por isso o prejudica enormemente. Quanto mais sabemos o que está acontecendo, mais o filme se enfraquece. Enquanto acompanhamos a angústia da protagonista, podemos até sofrer com ela. Na meia hora final, quando ela finalmente entra no carro chamado por aplicativo, tudo degringola de tal forma que só resta um fiapo de esperança de termos um filme decente.
E esse fiapo se desfaz quando ela chega no local do crime e percebemos que sua angústia, ali, no parque, era falsa, porque a constatação também era falsa. Com isso, as possibilidades mais interessantes que o filme tinha suscitado morrem todas numa tacada só. Resta a ideia de narrar um trauma de atirador dentro de uma escola do ponto de vista da mãe de uma das vítimas. Mas também essa ideia funcionaria melhor se soubéssemos menos do que está acontecendo e menos ainda do atirador.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
A Hora do Desespero | Lakewood/The Desperate Hour | 2021 | EUA | 84 min | Direção: Phillip Noyce | Roteiro: Chris Sparling | Elenco: Naomi Watts, Colton Gobbo, Andrew Chown, Sierra Maltby, Michelle Johnston, Woodrow Schrieber, David Reale.
Distribuição: Paris Filmes.