A Hora do Orvalho, de Marco Risi (filho de Dino Risi), exala aquele sentimentalismo característico do cinema italiano. Na superfície, agrada facilmente ao público, mas não sobrevive a um mergulho mais minucioso.
O filme apresenta vários personagens adoráveis, cada um com sua peculiaridade que o torna distinto e instigante. O protagonista Carlo (Alessandro Fella), porém, é o único que recebe uma construção mais elaborada. Mimado por sua família rica, ele provoca um acidente grave ao dirigir embriagado. Embora condenado à prisão, tem sua pena convertida em um ano de serviços sociais numa casa de repouso.
O enredo não surpreende. No início, Carlo realiza os serviços na clínica com má vontade. Depois de passar a noite na bebedeira e nas drogas, se apresenta no trabalho perigosamente com sono cuidando dos idosos, muitos deles frágeis. Com o passar do tempo, acaba se afeiçoando aos pacientes e se transforma numa pessoa melhor. Nesse processo, o filme rapidamente revela que ele é fruto de uma família escrota; rica, mas fútil. O pai, aliás, se separou e se casou com uma dondoca brasileira. A mudança de Carlo envolve um encontro inesperado com a mãe e a vítima do acidente que ele provocou – e recorrentes flashes da tragédia demonstram seu sentimento de culpa.
Um outro personagem conquista presença importante na trama. É Manuel (Roberto Gudese), um traficante que cumpre a mesma pena que Carlo. Os dois iniciam na casa de repouso no mesmo dia, mas demonstram atitudes totalmente opostas. Manuel encara o serviço com disposição e bom humor, logo conquistando a afeição dos hóspedes da clínica. O contraste enfatiza o quanto o protagonista precisa evoluir para ser uma pessoa melhor. Contudo, esse personagem tão estimulante se limita a essa participação, sem ser explorado a contento.
Os demais personagens
Três outros papéis, talvez alguns mais, também ganham um certo destaque. Um deles é o do ex-fotógrafo que se aproxima e dá lições de vida a Carlo. O outro é o coronel que precisa curar o trauma por ter sido surrado pelo próprio filho. Por fim, tem ainda a enfermeira Luisa (Lucia Rossi), que aparece bastante em cena. Porém, ela fica perdida entre encarnar o interesse romântico de Carlo e a funcionária durona que põe ordem no local.
Essas figuras ainda ganham um pouco de atenção, embora insuficiente para se tornarem personagens sólidos. Os demais recebem tratamento ainda mais superficial, o que torna os créditos finais deslocados, ao mostrar o destino de cada um deles, sendo que alguns tiveram participação ínfima. O roteiro carece, ainda, de uma relação mais forte de todos os personagens com a evolução do protagonista – em outras palavras, em demonstrar qual foi a contribuição de cada um nesse processo.
E, em meio aos dramas pessoais, alguns bens pesados, como o do ex-militar e as perdas que são constantes numa casa de repouso para idosos, surgem episódios de sentimentalismo para encher o coração do público. Assim, cenas de dança e cantoria pedem licença ao retrato amargo da velhice para injetar magia pelo simples fato de ainda estarem vivos. Parecem destoar do restante do filme, mas esses momentos constituem o que A Hora do Orvalho tem a oferecer de mais original e ousado.
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Ficha técnica:
A Hora do Orvalho | Il punto di rugiada | 2023 | 112 min. | Itália | Direção: Marco Risi | Roteiro: Francesco Frangipane, Riccardo de Torrebruna, Marco Risi | Elenco: Alessandro Fella, Massimo De Francovich, Luigi Diberti, Ariella Reggio, Eros Pagni, Roberto Gudese, Lucia Rossi, Elena Cotta, Erica Blanc, Maurizio Micheli, Libero Sansavini.
Distribuição: Imovision.