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Reflexão (filme)
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Reflexão

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

Parece até que Andrei Tarkovski desceu de seu panteão para orientar o seu conterrâneo Valentyn Vasyanovych na direção de Reflexão (Vidblysk). O filme, que individualiza o drama dos ucranianos na guerra contra a Rússia, apresenta algumas características marcantes do mestre que esculpiu o tempo. Até mesmo no título curto.

Uma delas se refere exatamente a esse uso do tempo. Reflexão traz vários planos longos, que transmitem o peso da duração da cena. Uma enorme porta de ferro de um galpão, por exemplo, fecha vagarosamente, e a câmera fixa capta todo esse movimento. Da mesma forma, o funcionário do necrotério surge no fundo de um longo corredor e caminha normalmente até o saguão onde o protagonista o aguarda. A câmera, de novo, permanece estática. Esse modo de filmar se repete reiteradamente durante o filme, então, se realmente o diretor pensou em Tarkovski, foi para emular a sua genialidade, e não apenas para fazer uma simples referência.

Marcado pela forma

E essa constatação se evidencia igualmente em outros aspectos. Aliás, o filme é marcado pela sua forma, apesar de sua narrativa ser de extrema urgência. A primeira parte, nesse sentido, possui uma rigidez formal que não passa desapercebido nem pelo espectador desavisado. Em sua primeira cena, o protagonista Serhiy encontra sua ex-esposa Olha e Andriy, o novo marido dela. Enquanto isso, sua filha Polina, de uns 12 anos, vai para trás da grande janela ao fundo para jogar paintball. À parte a justaposição temática da brincadeira que simula uma batalha com a guerra real que acontece desde 2014, a câmera fixa enquadra essa composição deixando vir ao primeiro plano a conversa incômoda entre Serhiy e Andriy. O estranhamento não vem do fato de terem se casado com a mesma mulher, o que parece superado, mas do fato de o protagonista, um médico cirurgião, não ter ido ao front para lutar pelo seu país como faz Andriy que, inclusive, está prestes a voltar para o combate.

A segunda cena mantém o mesmo tipo de enquadramento. Mas, no lugar da janela do paintball, está o vidro de uma sala de cirurgia. A guerra continua presente na vida de Serhiy, desta vez, porque ele perde um paciente ferido em combate. “Ele teria sobrevivido se o socorro médico não demorasse tanto.”, ouve de um colega, como se o instigando a também ir para o front.

Chamamento da guerra

Da mesma forma, a terceira cena também repete o enquadramento. Agora, a janela ao fundo toma a forma do para-brisa do carro de Serhiy, que assiste a um filme num drive-in junto com a filha. Quando cai uma forte chuva que interrompe a projeção, Polina questiona o pai sobre o motivo de ele não se alistar como o seu padrasto. Então, no trecho seguinte, que também mantém a ideia de uma câmera fixa apontada para uma janela, Serhiy já está dentro de um carro numa estrada de terra à noite, indo em direção a um dos locais de confronto, para prestar socorro aos soldados. Mas o motorista pega o caminho errado, e Serhiy se torna prisioneiro dos russos. Encerra-se, assim, a primeira parte de Reflexão.

O capítulo seguinte dessa história mostra os horrores que um prisioneiro de guerra enfrenta. Choque elétrico, banho de mangueira, enfim, a descida ao inferno de Serhiy é acompanhada pela câmera, agora móvel, que segue o protagonista num longo plano sequência. Termina em uma cela, com uma mise-en-scène típica de Tarkovski: paredes escuras revestidas de musgos, concreto por todo lado, sensação de sujeira. Serhiy deixa a torneira entreaberta, completando o ambiente da Zona contaminada de Stalker (1979). Por ser médico, o protagonista é poupado, porém testemunha os horrores da guerra antes de ser trocado por prisioneiros russos.

Tarkovski mais palatável

A moldura ao fundo retorna outras vezes no filme. No citado trecho do portão do galpão, no apartamento de Serjiy após sua libertação. É essa janela enorme em sua habitação que causa a morte de um pombo, como percebe Polina. Pela primeira vez, ela vê a fragilidade da vida, fazendo-a temer ainda mais pela vida do padrasto. Além disso, ela cai de um cavalo e sofre uma fratura no braço, um incidente que evidencia também a sua própria fragilidade. A cremação improvisada do pássaro morto simboliza esse amadurecimento, e abre espaço para outra marca de Tarkovski: os quatro elementos da natureza (fogo, vento, água e terra).

Serhiu retorna da guerra mudado. A experiência parece ter tirado sua credibilidade nas pessoas – presumo, pois o personagem não expressa verbalmente seus sentimentos. Em outro raro momento em que a câmera se movimenta, ele resolve sair do apartamento para correr no bosque. Acaba atacado por cães. Na cena final, pratica um exercício lúdico, que parece necessário para que ele reconquiste a empatia pelas pessoas, para que não endureça demais com a guerra.

Valentyn Vasyanovych, contudo, não é Andrei Tarkovski. Utiliza esses elementos formais para construir a narrativa forte contra essa guerra longeva. Provoca, assim, angústia, mas não tão sufocante quanto seu mestre conseguia. Como efeito disso, e por ser menos hermético, se torna mais palatável para o público.

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Ficha técnica:

Reflexão | Vidblysk | 2021 | Ucrânia | 126 min. | Direção e roteiro: Valentyn Vasyanovych | Elenco: Roman Lutskiy, Nika Myslytska, Nadia Levchenko, Andriy Rymaruk, Ihor Shulha.

Distribuição: Imovision.

Trailer aqui.

Onde assistir:
Reflexão (filme)
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