A Jaula desafia as convicções do espectador por meio de uma premissa chamativa.
Esta produção brasileira é uma refilmagem de 4×4 (2019), do cineasta argentino Mariano Cohn, que escreveu o roteiro original com Gastón Duprat. A trama, por mais atraente que seja, não esconde ser uma variação da ideia de Jogos Mortais (Saw, 2004). Ou seja, uma pessoa que não tolera a falta de ética cada vez maior no mundo atual resolve disciplinar sua vítima com métodos sádicos. Aumentando a semelhança, esse personagem está morrendo de câncer nessas duas histórias. Aqui, a abrangência é individual, e envolve um carro de luxo propositalmente deixado na rua para servir de isca para um ladrão.
Quem morde a isca é Djalma (Chay Suede), que entra no veículo para roubar o seu aparelho de som. Parece um trabalho fácil e, para deixar o público com raiva desse personagem, ele tira uma selfie e mija em cima do banco traseiro. Porém, quando tenta abrir a porta para sair, percebe que ela está trancada, assim como as outras. Desesperado, dá um tiro no para-brisas com o seu revólver, mas o carro é blindado e a bala ricocheteia e atinge a sua perna. No dia seguinte, o seu algoz, que se identifica como Dr. Henrique (Alexandre Nero), entra em contato com ele para ensinar-lhe uma lição de honestidade. Porém, logo esse médico dá sinais de ser um fascista (quando ele comenta as notícias que lê no jornal). Dessa forma, o espectador sente antipatia pelos dois protagonistas. Não tem para quem torcer nesse filme.
Claustrofóbico e explosivo
Em seu primeiro longa ficcional, o diretor João Wainer consegue imprimir a sensação de claustrofobia de Djalma enquanto preso no carro. A câmera, nessas cenas, está muito próxima do personagem, o que também mantém a coerência em relação a esse espaço restrito. Por outro lado, para não tornar o filme uma experiência sufocante, utiliza vários planos diferentes. Mas, até a chegada do Dr. Henrique, segura a perspectiva exclusiva de dentro do veículo, mesmo quando transeuntes passam ou se aproximam dele. Um desses eventos reforça o questionamento que o filme deseja provocar, pois mostra os moradores e a polícia agredindo dois ladrões que tentaram arrombar esse carro.
Essa questão, que gira em torno da justiça feita com as próprias mãos versus os direitos dos que infringem a lei, ganha força, então, quando o Dr. Henrique aparece em cena fisicamente, tomando o protagonismo. Quando ele, por fim, subjuga Djalma, a situação parece sair do controle. A população que mora no local, a televisão ao vivo, e a polícia passam a integrar o cenário, que lembra a conclusão explosiva de Um Céu de Estrelas (1996), de Tata Amaral.
O desfecho dá um sentimento de desesperança que já surgira antes no filme, na sequência onírica de Djalma. O futuro para ele, no sonho ou na realidade, é desalentador.
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Ficha técnica:
A Jaula | 2022 | Brasil | 101 min | Direção: João Wainer | Roteiro: Mariano Cohn, Gastón Duprat, João Cândido Zacharias | Elenco: Chay Suede, Alexandre Nero, Mariana Lima, Domenica Dias, Astrid Fontenelle, Gabriela Moreno, Dudu Sá.
Distribuição: Buena Vista Brasil.