História de uma mulher de 35 anos e comportamento violento, Margaret (Stéphanie Blanchoud), de uma família problemática em que a mãe, Christina (Valeria Bruni Tedeschi), é em grande parte responsável por sua instabilidade, A Linha (La Ligne, 2022) é o retorno de uma diretora interessante, Ursula Meier, dos bons longas Home (2008) e Minha Irmã (L’enfant d’en haut, 2012), além do não visto Shock Waves: Diary of My Mind (2018).
Muito do comportamento de Margaret vem do tratamento que recebe de familiares e amigos. O fator bola de neve parece acontecer com frequência sempre que ela tenta encontrar alguém, por mais que sua intenção inicial seja pacífica.
Meier se coloca numa posição delicada, esteticamente, já na abertura, com um surto violento da protagonista e uma agressão à mãe, que bate com a cabeça em seu piano, tudo filmado em uma câmera lenta típica de tragédias, com uma música operística intensificando o drama e as caretas das personagens ficando ainda mais caricaturais.
Se o espectador passar por essa abertura sem torcer o nariz, é bem provável que encare o filme numa boa. Se considerá-la excessiva, pode se entediar a cada vez que um personagem, normalmente Margaret, mas não só, perde a calma em cena.
Gritaria
Cinema de barracos, podemos dizer, ou da descompensação frequente: uma sucessão de gritos e xingamentos em que ninguém parece ter razão, muito menos Margaret. O que ela quer, afinal? E por que a negam? Christina também não parece ter razão. As personagens são assim, aparentemente, para alimentar o drama.
Dois problemas: ninguém parece minimamente interessante nessa história; não há uma crítica clara a um estado de coisas que permita observarmos personagens desagradáveis dentro desse contexto. Um desses problemas seria contornado mais facilmente. Os dois formam um obstáculo maior entre espectador e filme.
A religiosidade da irmã mais nova aumenta o contraponto com Margaret, que na comparação parece ter o diabo no corpo. No entanto, é essa irmã, Marion (Elli Spagnolo), uma cantora de 12 anos, que melhor a compreende, ou procura compreender. A outra irmã, Louise (India Hair), inicialmente parece fazer questão de piorar as coisas. Depois aceita um pouco melhor a nova situação familiar.
A direção de Meier
Felizmente, Meier segura bem os momentos em que não há barraco em cena, ou aqueles em que o drama é mais bem calibrado. Sua direção é competente, seja na contemplação da paisagem invernal que domina o filme, seja nos movimentos da câmera que acompanham a protagonista.
A música é um elemento de comunhão muito bem trabalhado na trama. A mãe é pianista clássica, persegue a técnica, deixando que a emoção venha da execução impecável de compositores eruditos. A filha toca guitarra. Foca na emoção, na poesia que vem das entranhas. São posturas musicais diferentes, embora tenham pontos em comum.
Numa das mais belas cenas, Julien (Benjamin Biolay), homem que dá abrigo a Margarete e procura entendê-la, percebe que ela está ensaiando no violão e a acompanha em um belo dueto folk. Há outra bela imagem em que a câmera se afasta enquanto Christina está ao piano, representando o carro em que estão suas outras filhas indo para outro lugar. É uma separação curta que não anula a emoção despertada pela melodia tocada por Christina. São momentos em que a música acalma a trama, ao contrário do que acontece na cena de abertura.
Esses momentos salvam o desastre que o festival de gritos ensaia construir. Sentimos que desta vez Ursula Meier perdeu o tom. A Linha tem uma força meio descontrolada, mas ainda assim tocante.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
A Linha | La Ligne | 2022 | 101 min | Suíça, França | Direção: Ursula Meier | Roteiro: Stephanie Blanchoud, Ursula Meier, Antoine Jaccoud | Elenco: Stéphanie Blanchoud, Valeria Bruni Tedeschi, Dali Bensallah, India Hair, Benjamin Biolay, Elli Spagnolo, Eric Ruf.
Distribuição: Imovision.
Estreia nos cinemas em 14 de dezembro de 2023.
Assista ao trailer aqui.