Nem Emma Stone salva essa tentativa de criar uma versão feminina de Ferris Bueller. O carisma da atriz só funciona nas cenas nas quais ela fala diretamente para a câmera. Tal qual em Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986), A Mentira (Easy A) também quebra a quarta parede, mas de forma mais orgânica, pois a personagem principal Olive (Emma Stone) está gravando seu depoimento em vídeo sobre o episódio que compõe a história do filme. As referências ao filme de John Hughes são várias e incluem até uma cena com Olive cantando no chuveiro com cabelo moicano. A homenagem, ou influência, de fato, se confirma no trecho em que Olive cita o diretor Hughes e comenta sobre seus filmes, cujas imagens vemos na tela.
A premissa é interessante. Olive é uma estudante do ensino médio na cidade de Ojai, CA, cansada de ser invisível. Quando mente que perdeu a virgindade, a notícia se espalha rapidamente (olha o tema das redes sociais em ação, ainda que em escala menor do que vemos hoje). Mas, ao invés de ver isso como algo ruim, para a garota significa que ela finalmente consegue ser popular. Então, resolve explorar ainda mais a situação, e inventa novas mentiras sobre experiências sexuais, apesar de continuar virgem.
Conflito que não cresce
Embora parte dessa ideia promissora, o roteiro de A Mentira não consegue desenvolvê-la a contento. A escalada de mentiras aumenta em quantidade, mas não gera um conflito crescente, como o cinema costuma mostrar quando o personagem normalmente vê suas inverdades levarem a uma situação incontrolável. O problema do enredo é que Olive parece não se importar com as consequências, então isso elimina a tensão que poderia surgir desse cenário.
Nem mesmo os seus pais parecem se preocupar com a fama da filha, e não ligam se ela está em perigo de ser expulsa da escola. Aliás, esses personagens dos pais parecem ser de outro mundo, não levam nada a sério e estão na trama apenas para criar piadas. Na verdade, todos os personagens possuem esse tom caricato. Esse esquema John Hughes usou eficientemente para criar os personagens hilários do diretor e da irmã em Curtindo a Vida Adoidado. Mas, que o roteirista Bert V. Royal falha em replicar aqui.
Além disso, A Mentira, que foi bem recebido na época de seu lançamento, ficou datado. O politicamente correto evoluiu e hoje já não faz sentido a ideia de Olive fingir que transa com o amigo gay para que ele possa se passar como hetero e, assim, deixar de ser alvo de bullying. No desfecho, o filme tenta remediar esse preconceito, mas acaba caindo na discriminação racial.
Ultrapassado
Este é o segundo longa do diretor Will Gluck, que depois faria mais uma comédia juvenil, Amizade Colorida (Friends With Benefits, 2011). E, depois buscaria outro gênero, o dos filmes infantis, em Annie (2014) e duas produções com o personagem Pedro Coelho. Pelo que vemos em A Mentira, Gluck tentava uma linguagem visual moderna, com montagens inteligentes mas surrupiadas de John Hughes. Encontrou algo criativo na cena de abertura com a câmera percorrendo o campo da escola num plano único, alternando a velocidade, e colocando os créditos iniciais inseridos no cenário. Mas, acaba repetindo esse plano três outras vezes dentro desse mesmo filme.
Enfim, A Mentira teve boa repercussão na época de seu lançamento. Porém, hoje soa bem ultrapassado.
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Ficha técnica:
A Mentira | Easy A | 2010 | 92 min | EUA | Direção: Will Gluck | Roteiro: Bert V. Royal | Elenco: Emma Stone, Amanda Bynes, Penn Badgley, Dan Byrd, Thomas Haden Church, Patricia Clarkson, Lisa Kudrow, Malcolm McDowell, Stanley Tucci.