O segundo longa metragem da carreira de Stanley Kubrick é uma realização personalíssima. Kubrick assina a direção, a estória, a coprodução, a fotografia e a edição de “A Morte Passou Por Perto”. É um film noir tardio situado em uma Nova York empobrecida.
A trama
Na estação ferroviária, Davey Gordon começa a contar em flashback os recentes acontecimentos que o levaram até a situação atual. Assim, o vemos como um boxeador em fim de carreira que vive em um apartamento de cuja janela pode avistar Gloria Price, uma bela moça que mora no mesmo condomínio. Enquanto ele se prepara para mais uma luta, ela se veste para ir trabalhar como dançarina de um salão de danças. As ações dos dois são simultâneas e ambos saem do edifício ao mesmo tempo.
A sequência seguinte apresenta cenas paralelas de Davey no ringue e de Gloria no salão onde é amante do proprietário. Kubrick filma a luta de boxe com variados cortes rápidos de vários ângulos. Inclusive com o ponto de vista de Davey, que sofre uma dura derrota. Fica evidente que os dois personagens são perdedores. Porém, o rapaz é um bom moço, porque no caminho para a luta o vemos lendo com carinho uma carta de seus tios que vivem em Kansas. Já a impressão que temos da moça é o oposto, pois ela se despe em frente a um espelho e fica só de sutiã de renda e se submete aos beijos do seu velho amante.
O visual
Kubrick insiste em mostrar a imagem de Gloria refletida em espelhos. Dessa forma, insinua uma dubiedade de caráter que é colocada à prova quando na mesma noite. Ela grita por socorro no momento em que seu amante entra em seu apartamento e Davey a acode. Ao contar o que a motivou a pedir ajuda, assistimos a um flashback com vários cortes com duração desigual e com uma quase quebra de eixo da câmera, revelando o quanto a moça é dissimulada. Os dois jovens rapidamente se apaixonam e, na tela, são enquadrados dentro da moldura formada pela cabeceira da cama. Assim, selando visualmente o destino dos dois.
Porém, o amante de Gloria é de fato perigoso. E sua violência se destaca quando ele joga um copo de vidro contra um espelho. A câmera está atrás desse espelho, então, nos sentimos vítimas desse seu ato de fúria, como se o copo fosse atirado contra nós, em uma cena audaciosamente original. A tensão atinge o clímax na sequência final, que se passa em um depósito de manequins. Aliás, esse local surge em vários outros filmes para aproveitar os pedaços de membros humanos dos bonecos e que providenciam um clima de terror adicional ao suspense. Em “A Morte Passou Por Perto” isso é realçado pela trilha sonora arrepiante nessa sequência.
O filme se prejudica com os fracos efeitos sonoros que às vezes atrapalham o entendimento da cena (vide a luta final no depósito de manequins). Ademais, também com as fracas atuações, como a de Irene Kane no flashback em seu apartamento, quando parece estar sorrindo enquanto o patrão a assedia. Pelo lado positivo, Kubrick capricha na fotografia em preto e branco, resgatando as sombras e os contrastes de claro e escuro do gênero noir. Pena que a femme fatale do filme acaba cedendo ao amor, resultando num desfecho doce demais para o que vimos durante a estória toda.
Ficha técnica:
A Morte Passou Por Perto (Killer’s Kiss, 1955) EUA, 67 min. Dir/Rot: Stanley Kubrick. Elenco: Jamie Smith, Irene Kane, Frank Silvera, Jerry Jarrett, Mike Dana, Felice Orlandi, Shaun O’Brien, Barbara Brand, David Vaughan, Alec Rubin, Ralph Roberts, Phil Stevenson.
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