A Noite dos Mortos-Vivos é um dos primeiros filmes sobre zumbis, seres que se tornariam cada vez mais populares com o tempo. Ainda que o roteiro não utilize esse termo em nenhuma parte, esse cult do terror estabeleceu os fundamentos para as produções posteriores.
Um dos principais padrões é colocar um grupo de pessoas em um local para se abrigar dos zumbis que estão lá fora. No caso, são seis adultos e uma criança enferma que se trancam em uma casa no interior de Pittsburgh. Aos poucos, os zumbis começam a se aproximar e tentam invadir o abrigo. Eles não entendem o que está acontecendo, e ouvem os noticiários no rádio e na televisão. O evento também ocorre na costa leste dos EUA e começa a se espalhar para outras regiões. Alguns cientistas sugerem que o fenômeno é efeito de radiações vindas de um meteoro, mas o filme não especifica o motivo.
Os zumbis aqui andam cambaleando, não são muito fortes e temem o fogo. Para derrotá-los, é necessário destruir o cérebro deles. Porém eles se tornam perigosos quando atacam em bando. O filme descobre que eles podem ser assustadores, pois não pensam e atacam instintivamente. Além disso, se alimentam de carne humana. Com a ajuda de uma trilha sonora impactante, há muitas cenas aterrorizantes, em especial a sequência inicial com os dois irmãos num cemitério.
Ademais, as imagens de gore são chocantes. Em parte, pelo cadáver parcialmente devorado de uma mulher na casa. Mais que aterrorizar, o rosto com o esqueleto exposto rende um grande susto. Porém, o que impacta com mais força é ver os zumbis devorando as carnes e as entranhas de dois personagens mortos. Tudo muito explícito.
Direção de George A. Romero
Esta é a estreia do diretor George A. Romero, que até então só tinha feito um curta-metragem oito anos antes. A Noite dos Mortos-Vivos é uma produção independente, com orçamento baixo, que atingiu muito sucesso de bilheteria. Posteriormente, Romero realizou mais dois filmes sobre zumbis, completando uma trilogia com Despertar dos Mortos (1978) e Dia dos Mortos (1985). Mais tarde, nos anos 2000, Romero faria mais três filmes sobre zumbis.
Romero é novaiorquino, e seu sobrenome latino vem de seu pai, um espanhol criado em Cuba. Profissionalmente, o diretor fixou base em Pittsburgh, onde se formou. Por isso, enquanto outro mestre de terror, o Stephen King, localiza suas estórias no Maine, Romero faz isso em Pittsburgh, onde se passa A Noite dos Mortos-Vivos, e vários outros de seus filmes. Aliás, como curiosidade, os talentos de Romero e King se reuniram em Creepshow (1982) e A Metade Negra (1993). O mundo dos mortos recebeu Romero em 16 de julho de 1977, quando ele faleceu vítima de câncer.
Crítica social no filme
Apesar de não ser intenção de George A. Romero, A Noite dos Mortos-Vivos permite que enxerguemos implicações sociais em sua estória. Afinal, a produção do filme aconteceu no final dos anos 1960, quando acontecia um turbilhão social. Dentro dele, os movimentos negros pelos direitos civis se destacavam. E, no filme, o principal personagem é negro, uma raridade na época.
Adicionalmente, na trama, podemos ver como uma alegoria o grupo que se tranca em uma casa para sobreviver aos zumbis que estão do lado de fora. Os seis adultos se dividem e dois deles se destacam como líderes. De um lado, o negro Ben e, de outro, o branco Harry. Eles discutem e não conseguem entrar em acordo sobre qual estratégia tomar. Dessa forma, se enfraquecem na luta contra o inimigo. Aliás, esse subtema pode até estimular o RH de empresas a utilizarem o filme como exemplo lúdico de trabalho em equipe.
Alerta de spoilers. O tema do racismo fica ainda mais evidente na conclusão do filme. O xerife local e seus ajudantes civis, são os típicos caipiras americanos de direita. Nas entrevistas aos noticiários que o grupo assiste dentro da casa, vemos esses homens satisfeitos em usarem seus armamentos para caçarem os zumbis. Empoderados, eles se aproximam da casa e vão matando todos que veem pela frente. São todos zumbis, porém, quando avistam o único sobrevivente Ben, atiram de imediato e o matam. Apesar de o filme não inserir nada que confirme uma alusão ao racismo, a cena levanta comparações com o abuso policial ainda presente nos EUA.
Pessimismo
Por outro lado, outra questão muito própria da época da produção de A Noite dos Mortos-Vivos é o sentimento do fim do sonho. A esperança de um mundo melhor, impulsionada pelo movimento hippie e por líderes como John F. Kennedy e Martin Luther King, tinha ido por água abaixo. Então, o pessimismo imperava. Por isso, vemos a decepção do plano de fuga que falha, e o único sobrevivente ser estupidamente morto por uma pessoa e não por um dos zumbis.
Similarmente, escreveu o especialista no gênero Barry Keith Grant, em seu artigo “Experience and Meaning in Genre Films”:
“O final, embora certamente tenha constituído um choque considerável na época, é de fato consistente com o tema do filme. Pois, já na época, eu pensei nos eventos da Convenção Nacional Democrática em Chicago em 1968, mesmo ano do lançamento do filme, e eu comecei a entender. Primeiro, que a noite dos mortos-vivos não é a noite da narrativa do filme, mas a escuridão no espírito humano provocada pela ausência de compaixão e compreensão. E, segundo, quem são os mortos-vivos realmente. Não os zumbis, mas pessoas comuns como Harry Cooper, o xerife e seus homens, e, finalmente, eu mesmo.” (in Film Genre Reader IV. Grant, Barry Keith. Tradução nossa)
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Ficha técnica:
A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead) 1968. EUA. 96 min. Direção: George A. Romero. Roteiro: John A. Russo, George A. Romero. Elenco: Duane Jones, Judith O’Dea, Karl Hardman, Marilyn Eastman, Keith Wayne, Judith Riley.