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Poster de "A Paixão Segundo G.H."
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A Paixão Segundo G.H.

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

Adaptar o hermético livro A Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector, demanda ousadia. De interpretação complexa, a obra mergulha nas profundas questões existenciais de G.H., uma mulher que vive sozinha num luxuoso apartamento de frente para a praia no Rio de Janeiro. Diante desse desafio, o nome de Luiz Fernando Carvalho se adianta como o candidato nato. O diretor aprecia esse desafio de transpor a literatura para o cinema. Já fez isso em Lavoura Arcaica (2001) e Capitu (2008), por exemplo. Nesse processo, recorre a uma gramática audiovisual que busca a difícil aproximação com a linguagem do material fonte.

A Paixão Segundo G.H. se passa todo dentro do ambiente do apartamento, onde a protagonista se confina voluntariamente. A bela moradia, impecavelmente decorada e limpa, se encontra no topo de suas prioridades, e reflete a sua priorização da própria aparência. Mas um fato quebra essa situação de conforto superficial: sua empregada pede demissão e vai embora.

Então, ela adentra o lugar onde não costuma ir. Na sua casa, é o quarto da empregada; na sua vida, é a sua alma. No quarto, descobre um desenho feito com carvão na parede atrás da porta. Ela se desespera diante dessa sujeira em sua imaculada superfície branca e arranca imediatamente esses traços abusivos deixados como herança não desejada. Sujeira, para G.H., mas também a evidência de humanidade da até então invisível trabalhadora de quem ela mal lembra o nome.

A borboleta e a barata

Contudo, assim como aconteceu com Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, cabe a um inseto a responsabilidade de principiar um duro exercício de reflexão existencial. No lugar da borboleta preta, uma barata, que G.H. encontra e esmaga na porta do armário da empregada. A sujeita, agora materializada na gosma expelida, fere com mais intensidade a aparência irrepreensível que G.H. sempre priorizou. A barata e sua gosma branca representam a imundície sufocada em seu íntimo, e que vem à tona com essa provocação repentina.

Frente a obra tão complexa e hermética, uma adaptação simplista e que expusesse uma de suas interpretações significaria a limitação de ideias, para não dizer um esforço para emburrecer o público. Luiz Fernando Carvalho se afasta desse erro e aplica seu vasto repertório de linguagem cinematográfica para filmar essa literatura.

Portfólio de recursos

O formato de tela é quadrado, como a imagem da televisão na época em que a estória acontece (por volta de 1964, ano de lançamento do livro de Clarice Lispector). Mas, principalmente, relacionado ao enclausuramento da protagonista, tanto físico quanto mental. E nada impede, aliás, de se expandir para a seara política, num Brasil à beira da ditadura militar.

No início, parece um filme experimental, uma viagem lisérgica (outra referência aos anos 1960). Logo, surge a narração com trechos do romance, em primeira pessoa. Maria Fernanda Candido entra em cena, sua face preenchendo a tela inteira. O experimentalismo marca todo o filme, mas posteriormente com menos LSD e mais variedade de recursos. Alguns, das eras clássica e moderna do cinema, como a movimentação da câmera em carrinho, silhuetas, sombras, flashback, trechos em preto & branco, desfoque, som estridente, sinfonia, emolduramento dentro do quadro. Outros, de um estilismo contemporâneo, como o super close da barata (muito intenso), o vômito da personagem (cacoete maldito do cinema atual). Além disso, diversas montagens (repetições de G.H. abrindo a porta, por exemplo) e cenas com mise-en-scène de propaganda de perfume completam esse generoso e genial portfólio de recursos que fazem jus à complexidade de Clarice Lispector.

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Ficha técnica:

A Paixão Segundo G.H. | 2023 | 126 min | Brasil | Direção: Luiz Fernando Carvalho | Roteiro: Luiz Fernando Carvalho, Melina Dalboni | Elenco: Maria Fernanda Candido, Samira Nancassa.

Distribuição: Paris Filmes.

Assista ao teaser aqui.

Onde assistir:
Close-up de Maria Fernanda Candido olhando para cima
Cena de "A Paixão Segundo G.H."
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