A Religiosa (La Religieuse) causou muita polêmica na época de seu lançamento, sentimento só amenizado após sua exibição no Festival de Cannes. Era apenas o segundo longa de Jacques Rivette, que até então lançara um longa, o suspense Paris Nos Pertence (Paris nous appartient, 1961). Embora seu novo filme adapte uma obra de 1760, escrita por Denis Diderot, ele preserva a contundente crítica à Igreja, cujos conventos serviam para propósitos autoritários, materiais e libertinos. Daí a polêmica ainda subsistir dois séculos depois.
Um longo aviso antecede o filme, apelando para o público assistí-lo tendo em mente que é uma perspectiva ficcional da época retratada. Com isso, Rivette tentava se esquivar das implicações contemporâneas das instituições contemporâneas.
Mas talvez o espectador hodierno não se sinta incomodado, acostumado que está a provocações mais explícitas. Como, por exemplo, no recente Benedetta (2021), que versa sobre o mesmo tema, porém, com cenas gráficas de lesbianismo e violência. Rivette não recorre a imagens apelativas, mesmo filmando numa década libertária como os anos 1960. Ainda assim, consegue impactar com as denúncias dos abusos nos conventos, equiparando-se à intenção de Diderot.
Para isso, recorre a uma mise-en-scène rebuscada. Filma em locações genuínas, edificações antigas, sujas, sem nenhum luxo (no primeiro convento), invadidas pela vegetação. As cores fortes (numa época em que filmar em preto-e-branco ainda era comum) realçam esses aspectos, acentuando o lúgubre. Ademais, a trilha sonora é um dos aspectos mais desconcertantes, não só pela música arrepiante, típica do suspense, como também pelos ruídos altos e inesperados de pássaros, vozes, e, principalmente, de sinos. Em meio a tudo isso, há o emblemático uso de grades que separam as internas dos visitantes.
A via crucis de Suzanne
Afinal, o convento é uma prisão para a jovem Suzanne (Anna Karina), rejeitada pela própria família por ser fruto de um adultério de sua mãe. Com o intuito de afastá-la, os pais preferem pagar um dote para a Igreja para recebê-la; e não para algum pretendente para se casar com ela. Assim, sem a vocação para ser freira, Suzanne se sente confinada no convento. No início, sob os cuidados de uma Madre Superior bondosa (Michele Presle), a moça tenta se consolar com a situação. Porém, quando sua sucessora, a Irmã Sainte-Christine (Francine Bergé) assume o posto, ela conhece o autoritarismo cruel, e tenta as vias legais para sair dali. No entanto, a vingança revela, também, o lado sádico da nova Madre Superior. Em outras palavras, Suzanne perde seu quarto, suas roupas, sua alimentação. Isolada, fica abalada e Sainte-Christine a acusa de estar possuída.
O segundo destino de Suzanne, então, parece um paraíso. As internas sempre sorriem, fartos cestos de frutas estão disponíveis nos ambientes, e a música anima as reuniões. Contudo, um segredo nefasto se esconde atrás das reais intenções da Madre Superior, Madame de Chelles (Liselotte Pulver). Ela sente compulsão em seduzir as jovens, e Suzanne é a sua nova obsessão.
Mas o filme vai ainda além dos conventos, e critica, também, a sociedade da época, em especial no tratamento às mulheres. Ao acompanhar Suzanne até seu trágico fim, A Religiosa indica que a única opção, naqueles tempos, para uma mulher sem família e com fome seria a prostituição. Enfim, com uma narrativa tão viva e repleta de provocações sensoriais, não há necessidade de imagens explícitas; não é esse tipo de polêmica que Diderot ou Rivette buscavam.
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Ficha técnica:
A Religiosa | La Religieuse | 1966 | 2h20 | França | Direção: Jacques Rivette | Roteiro: Jacques Rivette, Jean Gruault | Elenco: Anna Karina, Liselotte Pulver, Micheline Presle, Francine Bergé, Francisco Rabal, Christiane Lénier, Yori Bertin, Catherine Diamant.