É raro estrear nos nossos cinemas um filme de terror português, fato que pode atrair algum público para as sessões de A Semente do Mal (Amelia’s Chlildren). Porém, o longa do diretor Gabriel Abrantes desaponta. Apesar de a fotografia, por conta de Vasco Viana, estar à altura da tradição portuguesa – e a habilidade em captar as imagens no escuro representa elemento vital nesse gênero – o roteiro e a direção não estão bem azeitados.
O diretor e roteirista Gabriel Abrantes já fez filme de gênero. Dirigiu antes a comédia Diamantino (2018), com Daniel Schmidt, estrelado por Carloto Cotta, o mesmo ator principal de A Semente do Mal. Mas este é seu primeiro no gênero terror, e tudo aponta que faltou uma maior familiaridade com o horror.
O prólogo causa boa impressão. Praticamente sem falas, o trecho acontece em uma grande casa no meio da floresta. Uma mãe está na casa sozinha com seus dois bebês gêmeos, e um homem e uma mulher invadem o local. A invasora leva um dos bebês, enquanto o seu colega tenta pegar o outro, mas a mãe o vê. O segmento termina com uma abertura para o terror, e com um mistério sobre o resultado da incursão.
Sem apresentar o título na tela, a sequência inicial corta para 30 anos depois. Logo descobrimos que o bebê sequestrado, Edward (Carloto Cotta), vive em Nova York com Riley (Brigette Lundy-Paine). Através de um serviço de pesquisa de DNA, ele finalmente consegue rastrear suas origens até seu irmão gêmeo Manuel (o mesmo Carloto Cotta), que ainda mora na mesma casa em Portugal, com a já muito idosa mãe, Amélia (Anabela Moreira). Então, Edward e Riley viajam até lá, a convite de Manuel. Mas, após a animação inicial pelo encontro dos familiares que não se conheciam, as coisas ficam estranhas.
Roteiro
O roteiro possui muitas falhas. Algumas são estruturais, como a indefinição sobre como o sobrenatural afeta os protagonistas. Por exemplo, logo que descobre via DNA que tem um irmão, Edward imediatamente vê uma assombração. Mais adiante, fica a percepção de que era a sua mãe, mas a aparição não se justifica. Por outro lado, quem também vê a mesma imagem é Riley, que nem tem uma ligação sanguínea com essa entidade. Da mesma forma, sem um motivo sólido.
O enredo alterna entre a perspectiva de Edward e Riley, o que contribui para tornar a trama bem confusa. E, assim, dilui o suspense, pois entrega o que acontece em cenas paralelas, quando uma só perspectiva poderia trazer dúvidas de um cônjuge em relação ao outro.
Os diálogos também prejudicam em momentos chaves. Como quando Riley diz a Edward que pensa que Manuel e Amélia dormem juntos. Como ela chega a essa conclusão sem vê-los, apenas ouvindo uma conversa através da porta? Manuel não poderia sair do quarto da mãe e ir dormir em outro cômodo? Enfim, se era para já lançar uma desconfiança de incesto, as falas entre Manuel e Amélia deveriam ser mais incisivas.
Como exemplo das falhas menores do roteiro, está o clichê dos moradores locais que enxotam os estrangeiros quando eles perguntam o caminho para a casa de Amélia. Seria mais sensato esses idosos avisarem para o casal protagonista se afastar do local porque é perigoso, e não os mandar embora com tal agressividade. Ainda mais quando se revela que essa senhora possui estreita relação com a casa. Há outros equívocos que causam estranheza, como o fato de, logo depois dessa cena com os idosos, o filme mostrar o casal protagonista chegando à casa de Manuel, sem nada que mostre que os dois conseguiram encontrar o caminho.
Direção
Quando à direção, Gabriel Abrantes não consegue criar o necessário clima de suspense e horror, nem mesmo usar os sustos, recurso habitual do gênero. Uma prova disso é a cena com Riley no primeiro plano e Amélia se aproximando dela vagarosamente por trás. A música nesse trecho é de suspense, mas essa sensação não tem por que existir, já que quem vai se assustar é a personagem e não o espectador.
A sincronia entre imagem e música ou efeitos sonoros, de fato, é um dos pontos que prejudicam as tentativas de jump scares. Estes, além disso, frustram o espectador com o uso sequenciado de duas cenas de sonho. Daí vem a impressão de que faltou familiaridade com o gênero terror.
Por fim, A Semente do Mal ainda termina com uma cena de dança que força a boa vontade do público em tentar amarrar as pontas dessa trama que parecia inovadora por conta do aplicativo de DNA, mas que se mostra uma batida história de bruxaria mal contada.
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Ficha técnica:
A Semente do Mal | Amelia’s Children | 2023 | 91 min | Portugal | Direção: Gabriel Abrantes | Roteiro: Gabriel Abrantes | Elenco: Brigette Lundy-Paine, Carloto Cotta, Anabela Moreira, Alba Baptista, Rita Blanco, Nuno Nolasco.
Distribuição: Imagem Filmes.
Estreia dia 13 de junho de 2024 nos cinemas.
Assista ao trailer aqui.