A Última Rainha (La Dernière Reine), coprodução entre França e Argélia, tem direção de dois estreantes em longas ficcionais, um de cada país. Um deles é o francês Damien Ounouri, que já dirigiu um documentário sobre seu tio-avô que lutou pela libertação da Argélia. Divide a direção com Damien a argelina Adila Bendimerad, atriz que interpreta no filme a personagem principal, a rainha Zaphira.
A produção surpreende pela exuberância nos cenários e figurinos. A vida nos palácios, tal como vemos no filme, parece à altura dos poderosos sultões na Argélia, em 1516, ano em que acontece a história. Mas, enquanto a rainha Zaphira lida com seus prazeres e desprazeres (seu filho Yahia deve sair de casa para morar com o pai), o país sofre a invasão dos espanhóis. Então, o rei Salim Toumi (Mohamed Tahar Zaoui), com aprovação do seu Conselho, aceita se aliar ao pirata Aroudj Barbarossa (Dali Benssalah). Guerreiros temidos, Aroudj e seus piratas são essenciais na expulsão dos espanhóis.
Porém, surge outro problema para os argelinos. Aroudj gosta da vida nos palácios e não pretende sair do território que ele ajudou a libertar dos invasores ibéricos. Quando o rei Salim morre de forma suspeita, a rainha Zaphira, adorada pelo povo, ainda constitui um obstáculo para a ambição de Aroudj.
Cenas de ação
Apesar da produção opulenta, as cenas de ação deixam a desejar. O estilo insiste no padrão dos filmes do gênero realizados atualmente. Ou seja, para soarem modernas, abusam da alteração da velocidade, dos planos curtos e próximos demais dos personagens, dos espirros de sangue a cada golpe. Como resultado, ao invés de empolgar, confundem o espectador, que não entende o que acontece na tela. Até mesmo na cena final, quando a noite de núpcias de Zaphira e Aroudj pode levar a uma execução ou a um novo amor, esses cacoetes deixam dúvidas sobre o que ocorre na cena.
Além disso, o mesmo quesito da ação revela certa restrição orçamentária. Aroudj e seu banco derrotam uma dezena de espanhóis acampados na praia. Esse confronto, de pequenas proporções, representa a expulsão dos invasores. Poderia ser uma alegoria para representar esse processo que certamente teve proporções muito maiores. No entanto, o filme não dá a entender que seja isso. Talvez a produção não comportasse a contratação de centenas de extras, mas os diretores poderiam ter usado a criatividade para superar esse limitador.
Inconsistências
No entanto, há outras situações piores no filme. Como os piratas que, para parecem maus, quebram as flores do jardim da rainha, fazendo caretas e reclamando das frescuras do local – totalmente caricatos. Ou a constrangedora troca de falas entre Zaphira e Aroudj, montados em um cavalo. Cada linha do diálogo revela que um sabe muito a respeito do outro. Traz, assim, uma ingenuidade que não cabe nesse filme histórico que se mantém sisudo todo o tempo. Parece até cena de uma comédia romântica juvenil.
Ademais, esse momento de quase romance vai contra o desenvolvimento do arco dos dois protagonistas. A rainha endurece diante dos eventos cruéis que presencia. De mãe carinhosa e apaixonada pelo marido ela passa a ser uma estrategista fria, capaz de permitir a execução de seus amigos e aliados. Já o pirata Barbarrosa é humanizado. Começa como um guerreiro tão feroz que nem percebe que perdeu parte do braço, e depois aceita engolir as ofensas de Zaphira para alcançar diplomaticamente o posto de rei através do casamento. Mas, em nenhum dos dois há sinais dessa súbita paixonite.
Acertos, fatos e lenda
Entre os acertos da dupla de diretores, encontramos a narrativa não-linear, que exige do espectador o instigante desafio de remontar a cronologia dos fatos; e as alucinações premonitórias, como a da morte do rei, que faz uma interessante aproximação com o cinema fantástico.
Por fim, vale atentar que o filme lida com a História e com a lenda. Aroudj Barbarrosa, o irmão mais velho da família de corsários, consta nos registros, de onde se baseiam os seus feitos retratados aqui. Já a rainha Zaphira, como as cartelas afirmam na conclusão, pode ou não ter existido. Isto posto, o roteiro tinha, então, liberdade para criar um desenvolvimento mais consistente para a protagonista. O que encontramos é uma personagem que não decide sobre o que colocar como prioridade: o país, o filho, o trono, as amizades, os irmãos, talvez uma paixão indesejada pelo inimigo? Assim, não intencionalmente o filme acaba por justificar sua decisão final como o último recurso de quem perdeu tudo, ao invés de construir uma figura heroica.
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Ficha técnica:
A Última Rainha | La Dernière Reine | 2022 | Argélia, França | 113 min | Direção e roteiro: Damien Ounouri, Adila Bendimerad | Elenco: Adila Bendimerad, Dali Benssalah, Mohamed Tahar Zaoui, Imen Noel, Nadia Tereszkiewicz, Yanis Aouine, Lila Touchi.
Direção: Imovision.
Trailer aqui.