Pesquisar
Close this search box.
Poster do filme "A Vida Invisível"
[seo_header]
[seo_footer]

A Vida Invisível

Avaliação:
8/10

8/10

clique no botão abaixo para ouvir o texto

Crítica | Ficha técnica

A Vida Invisível conta o drama das irmãs Guida (Julia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte), começando no final dos anos 1940. Eurídice ainda está entrando na vida adulta, enquanto Guida já está quase para perder sua virgindade com um marinheiro grego chamado Yorgos. Apaixonada, a irmã mais velha parte com o namorado para a terra natal dele, deixando apenas um bilhete de despedida para a família. O pai conservador, Manoel (António Fonseca), fica enfurecido. Quando Guida volta para casa, sozinha e grávida, ele não a aceita e a expulsa. Eurídice já se casou e não mora mais com os pais, e nunca fica sabendo do retorno da querida irmã. Enganada pela mentira do pai, Guida pensa que a caçula foi morar em Viena para estudar piano. E Eurídice pensa que a irmã continua na Grécia.

Então, resta à Guida escrever cartas para a irmã, o que dá ensejo a suas narrações em off. No caso de Eurídice, a narração dá voz a seus pensamentos – ou talvez até a uma carta, mas ela não tem para onde endereçá-las. Dessa forma, contam parte da narrativa e injetam a emoção de seus sentimentos. Mas a correspondência de Guida nunca chega ao destino, pois ela envia para a casa dos pais, que nem sabem onde a filha mais velha vive.

Tão longe na cabeça delas, mas tão perto geograficamente, as duas irmãs possuem um elo tão forte que o público torce para que elas se encontrem em algum lugar da cidade do Rio de Janeiro. O filme se aproveita disso e cria um belo suspense no quase encontro num restaurante.

Saltos no tempo

As enormes elipses de tempo fazem a narrativa saltar, forçando o espectador a pensar sobre o que está assistindo.  O primeiro salto surpreende com o casamento de Eurídice, bruscamente após um corte seco na cena anterior. Alinha-se, assim, à brutalidade desse enlace sem romance, que culmina no desagradável primeiro sexo da moça na lua-de-mel. Esse relacionamento nunca será feliz, como se poderia prever, o que agrava a ausência da irmã. Guida também enfrenta uma vida de cão, e acaba trabalhando como operária para sobreviver sozinha com o filho pequeno. As cartas para Eurídice representam seu apelo de esperança.

A outra elipse em A Vida Invisível é ainda mais radical. Chega até a desnortear o público. De repente, Fernanda Montenegro entra no filme no papel de uma envelhecida Eurídice. E encontra Julia Stockler ainda com a aparência jovem. O filme se abre para o fantástico, que quebra os limites temporais? Essa é a primeira impressão do espectador, mas não se trata disso, logo ele percebe. Mas, igualmente, traz uma conclusão arrebatadora, que permite entender que tudo o que foi apresentado se trata de um flashback baseado nas cartas de Guida. Isso explicaria o uso de cores saturadas, de fotografia granulada, de exposição estragada como fita de VHS velha, no início do filme. E que dão lugar a uma fotografia mais bem equilibrada conforme a história avança até a atualidade, que representaria, assim, o real, e o restante seriam as memórias construídas na mente a partir das cartas.

“Quando eu toco, eu desapareço.”

O filme se baseia no livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, publicado em 2016. Portanto, uma literatura contemporânea, capaz de um olhar crítico sobre a época da geração de Guida e Eurídice, das mulheres que sofreram diante de uma sociedade patriarcal. O enredo deixa evidente que a intolerância insensata do pai delas, rechaçando a filha que retornou à casa grávida e mentindo sobre o paradeiro da irmã, causou a doída separação delas. Em outras palavras, tornou-as invisíveis uma à outra.

Além disso, o marido de Eurídice também a condena a abdicar de seus sonhos. Penalizada por um casamento indesejado, por uma gravidez forçada, o talento para o piano só servia para ela sentir o alívio de desaparecer. Até isso, de fato, acontecer, e ela suprimir de vez a sua individualidade. Esse vazio justifica a enorme elipse até a velhice da personagem.  

Por isso, não caberia um final feliz. Guida e Eurídice nunca mais se viram. Na cena final, uma de cada vez olha para a câmera, ou para o espectador. Só assim, através de um terceiro (o público, as cartas), seus olhares podem se cruzar.

___________________________________________

Ficha técnica de “A Vida Invisível”:

A Vida Invisível | 2019 | 139 min | Brasil, Alemanha | Direção: Karim Aïnouz | Roteiro: Murilo Hauser, Inés Bortagaray, Karim Aïnouz | Elenco: Julia Stockler, Carol Duarte, Flávia Gusmão, António Fonseca, Gregório Duvivier, Bárbara Santos, Fernanda Montenegro.

Distribuição: Sony Pictures.

Assista ao trailer aqui.

Onde assistir:
Compartilhe esse texto:

Críticas novas:

Rolar para o topo