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Aftersun (filme)
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Aftersun | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
8/10

8/10

Crítica | Ficha técnica

Aftersun, longa de estreia da escocesa Charlotte Wells, é um dos queridinhos da cinefilia na temporada, o que numa primeira visão fugia à minha compreensão, mas dava ao mesmo tempo um sentimento de alívio por não ter Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness, 2022), de Ruben Ostlund, nessa posição (ao menos até aqui).

É um filme de lembranças, de um relacionamento entre pai e filha. Esses dois dados meio que explicam o fascínio que tem causado nos festivais, e na revisão achei mais fácil entender esse fascínio. No caso, é também bem filmado, num ponto em que a Lucrecia Martel do início (o deixar algo cortado pelos limites do quadro) encontra a Joanna Hogg de The Souvenir (2019), sobretudo no tom melancólico das lembranças. Outros críticos apontaram semelhanças com Lynne Ramsay, que, confesso, me escapou, e até com Chantal Akerman, que me parece despropositada.

De fato, uma das qualidades da direção de Wells é que lembra muitas coisas sem se assemelhar mais diretamente com coisa alguma. A diretora conseguiu trilhar um caminho próprio com um estilo pouco pessoal, talvez porque teve a sorte de trabalhar com dois atores em estado de graça – Paul Mescal, que faz o pai, Calum, e a estreante Frankie Corio, que faz sua filha Sophie – e, mais importante, de saber deixá-los brilhar.

Cinema de sensações

Sophie, já adulta, mostrada em algumas poucas cenas que não fariam falta, relembra uma viagem de vinte anos antes com seu pai para o litoral turco. Ele é só enigma, o que se justifica: os pais de Sophie eram separados, então ela, que mora com a mãe, não o conhece muito bem. Lembra o brasileiro A Filha do Palhaço (2022), de Pedro Diógenes, com a diferença de que este é mais direto, sem coisas nebulosas, adere ao melodrama e é muito feliz nessa adesão.

Wells prefere o cinema de sensações, principalmente porque ela não tem muita ideia de quem era aquele pai, como vivia, se a amava mesmo ou se estava preparado para amar alguém. Tudo que percebemos, dentro do enigma com que a trama se apresenta, é que ele não tem muitas condições de pagar por essa viagem à Turquia. Mas a memória é sempre nebulosa. E se essa foi a impressão da menina, na época com 11 anos? E se a memória tratou de modificar as coisas, como quase sempre faz? A memória, afinal, de algum modo modifica dois grandes sucessos tocados no filme: “Tender”, do Blur, que tem um trecho com o pitch alterado, e “Under Pressure”, do Queen com David Bowie, que tem uma versão, digamos, edulcorada com uma cama de teclados no final. Seria mesmo a “última dança”, como a letra da música sugere?

Pistas não conclusivas

A maneira como a diretora filma esse encontro de pai e filha, incluindo imagens captadas numa câmera mini-DV e alguns acontecimentos que fornecem pistas mais fortes, embora não conclusivas, para o espectador, contribui para esse clima de mistério entre o que é construção da memória e o que de fato aconteceu.

Há um diálogo logo no início, à beira da piscina, que exemplifica a maneira de tratar o tema. Calum pergunta a Sophie porque ela não se apresenta às crianças que se divertem do outro lado da piscina. Ela responde que são muito crianças. Ela, em contrapartida, pergunta porque ele não se apresenta para os pais das crianças, ao que ele responde que são muito velhos. O que eles veem, contudo, é uma típica família em férias. Não é essa a configuração que Sophie sente entre ela e o pai.

Misto de irmão mais velho com um homem meio misterioso que mantem com ela uma relação de poder, Calum chega a ser confundido mesmo com irmão em um momento do filme. O diálogo explicita que Calum não tem a idade normal de um pai (“não me vejo com 40, já me espanto de ter chegado aos 30”, ele afirma em outro momento, consciente de que esses 30 mais parecem 20, dada a imaturidade de sua personalidade). Talvez por isso sua autoridade seja mais frágil, o que faz com que ele saboreie intensamente os momentos em que pode exercer essa autoridade.

Última dança?

As imagens da câmera, aliás, fugidias, que criam mosaicos quando aceleradas, parecem o ponto de partida para a Sophie de 30 e poucos anos. Teria ela encontrado a fita em algum armário? E se num momento fica claro que essa não é a única viagem de férias que ela fez com o pai, como de fato fica sugerido ser um encontro anual, no mínimo, por que a diretora escolheu se concentrar nesse em específico? Última dança? Nada é muito explicado (embora sugestões pipoquem o tempo todo).

O que importa é a relação que se pode construir entre pai e filha e como ela é incerta, imprecisa quando as intimidades que se forjam numa determinada reaproximação são tão frágeis. As pistas estão lançadas, mas não é importante decifrá-las completamente para gostar do filme.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Aftersun | 2022 | 102 min | Reino Unido, EUA | Direção e roteiro: Charlotte Wells | Elenco: Paul Mescal, Frankie Corio, Celia Rowlson-Hall, Sally Messham.

Distribuição: O2 Play, MUBI.

Onde assistir:
Aftersun (filme)
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