Ainda Não é Amanhã, primeiro longa da diretora e roteirista recifense Milena Times, acompanha o naturalismo que tem dominado o cinema brasileiro contemporâneo. Mas, não fica só nisso, e insere breves trechos de fantasia para retratar sonhos e alucinações ou ilustrar simbolicamente os sentimentos da protagonista Janaína (Mayara Santos), uma jovem de 18 anos criada pela mãe (Clau Barros) e pela avó (Cláudia Conceição) em um conjunto habitacional da periferia do Recife.
Cursando o primeiro ano de Direito, Janaína se dedica para não perder sua bolsa de estudos e assim conseguir ser a única da família a ter diploma da faculdade. Porém, Janaína descobre que está grávida, e surge o medo de ver o seu sonho destruído. Como bolsista, não pode ter notas baixas. Sem contar nada para a sua mãe e sua avó, Janaína encara as alternativas não oficiais para manter a viabilidade do amanhã que planejou para si.
Embora o aborto seja o tema central, o filme não discute esse assunto. A protagonista toma a sua decisão, explica brevemente seus motivos para o namorado, que não discute. Não permite que a família dê seus pitacos, pois esconde dela que está grávida – e mesmo depois que descobre, a mãe não interfere. Se há intenção de uma crítica social, esta se restringe ao cerceamento de métodos legais e seguros para quem decidir praticar o aborto. Janaína sofre com isso, pois busca soluções no mercado negro até finalmente receber uma indicação de uma colega da universidade. O procedimento, entretanto, é realizado sem a devida assistência de um médico.
Naturalismo sem imposição
A diretora Milena Times se aproxima do público que potencialmente se identifica com a situação de Janaína ao adotar o viés naturalista. As filmagens acontecem em locações, e não em cenários de estúdio que tentam imitá-las. As atrizes, incluindo Mayara Santos, não carregam na maquiagem, aplicam apenas o que as personagens costumam utilizar na realidade. A narrativa, no mesmo sentido, evita a dramaturgia exacerbada. Pelo contrário, a protagonista em muitos trechos sofre sozinha, em silêncio absoluto, sem nem uma música para induzir a emoção do espectador.
Ainda Não é Amanhã, porém, escapa do naturalismo como abordagem única. Breves inserções transmitem as aflições de Janaína. Algumas podem ser justificadas como alucinações ou sonhos, outras pendem para o fantástico, como o trecho no qual as prateleiras da biblioteca esmagam a personagem.
Utilizando enquadramentos bem planejados, espelhos, e sem cair na moda do abuso da câmera na mão (aqui os planos são fixos ou móveis sobre um tripé, ou num carrinho), ou do naturalismo forçado (o que seria contraditório, mas acontece muito), Milena Times realiza um melodrama sério que se concentra nas angústias da protagonista. Acima de tudo, Ainda Não é Amanhã consegue tratar de um tema controverso sem ficar refém dele e cair no panfletário.
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Ficha técnica:
Ainda Não é Amanhã | 2024 | 77 min. | Brasil | Direção: Milena Times | Roteiro: Milena Times | Elenco: Mayara Santos, Clau Barros, Cláudia Conceição, Bárbara Vitória, Mário Victor, Guta Menelau, Lalá Vieira.
Distribuição: Embaúba Filmes