Nesse século, Nicolas Cage virou alerta para filme abaixo da média. Ele se acostumou a atuar em três ou quatro produções por ano, sem muito critério em suas escolhas. Aliás, Bruce Willis estava indo pelo mesmo caminho, até a recente parada em sua carreira por motivos de saúde. E, como veremos, Ajuste de Contas (A Score to Settle) não consegue mudar essa má fama de Cage.
É uma produção pequena, o segundo longa do diretor Shawn Ku, que realizou antes o superior Tarde Demais (Beautiful Boy, 2010). Ao lado do co-roteirista John Stuart Newman, ele tenta a todo momento surpreender o espectador, como se quebrar as expectativas fosse o fator crucial do cinema. Em um ou outro momento de Ajuste de Contas isso funciona, mas no todo o filme fracassa.
E olha que começa bem, no flashback violento da introdução. Uma gangue tortura uma vítima com um taco de beisebol, e o sadismo contrasta com a escolha da ópera, que está dentro da cena, vindo de um aparelho portátil dos bandidos. A escolha da trilha musical remete a O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), obra-prima do tio de Nicolas Cage, o cineasta Francis Ford Coppola. Aliás, parece mesmo uma homenagem, pois quem interpreta o papel do personagem de Cage jovem é seu próprio sobrinho, Bailey Coppola. É um homem de família esse Cage (parafraseando o título de um de seus filmes). Pena que o talento de Francis passa longe desse fime.
Enganações
A história começa após esse prólogo do passado do protagonista, Frank Carver (Cage). Em troca de uma grande quantia de dinheiro, ele assumiu a culpa por esse assassinato no lugar do chefão da quadrilha, Max. Agora, ele sai da prisão após 19 anos, coleta o dinheiro dessa barganha, mas quer vingança, pois lhe disseram que ele ficaria no máximo seis anos encarcerado. Aí já começa a enganação ao espectador – e entraremos em spoilers para melhor comentarmos sobre o filme.
Essa busca destrutiva (suicida, provavelmente) pelo ajuste de contas soa uma decisão insensata do personagem principal. Afinal, ele reencontra o seu filho Joey (Noah Le Gros), agora um adulto, e que ele não via desde muito pequeno. Com a bela grana à disposição, ele devia ouvir o filho e aproveitar a vida, depois de passar tanto tempo aprisionado. E, claro, compensar Joey por não estar ao seu lado durante seu crescimento. Diante disso, o espectador cria antipatia por Frank por ser um mau pai.
Porém, o filme tenta surpreender com um truque que dificilmente dá certo no cinema – vide o drama turco Filhos de Istambul (Kagittan Hayatlar, 2021). Na verdade, Joey já está morto, e toda a raiva de Frank vem da não cumprida promessa de Max proteger seu filho. Há um subterfúgio no enredo, pois Frank sofre de insônia e isso provoca alucinações nele, como imaginar que o filho o acompanhava. Mas, mesmo assim o público se sente traído. Será que Joey estava falando sozinho na presença de outras pessoas?
Mais surpresas
De qualquer forma, essa revelação coloca o espectador ao lado de Frank. Afinal, ele quer a retaliação porque o chefão não protegeu seu filho como antes prometera. E, agora, ele já não tem mais ninguém no mundo (a esposa morreu antes do filho, mas o roteiro se esquece de explicar como isso aconteceu). Assim, não tendo nada a perder, parte atrás de Max.
A próxima surpresa que Ajuste de Contas reserva é a melhor coisa do filme. Frank descobre que Max não o traiu, pois ele entrou em coma antes da morte do filho, e continua em estado vegetativo desde então. Ou seja, ele não tem culpa nenhuma por Joey estar morto, e nem por não ter cumprido sua promessa. A história poderia terminar aí, com uma amarga resignação de Frank. Mas Shawn Ku comete o erro de prologar a trama desnecessariamente, incluindo momentos embaraçosos.
Logo na saída da casa de repouso onde Max está internado, Frank é atacado por um dos ex-membros da gangue, que ele tentara matar nos dias anteriores. Em plena luz do dia, soa totalmente artificial a troca de tiros, como se as pessoas que vimos há pouco dentro da instituição não notassem todo esse barulho. Depois, bem perto da conclusão, outra cena sem sentido, quando Frank recebe um tiro pelas costas da filha do amigo traidor. Se ele já havia desistido de matar o pai dela, por que ela o persegue e o mata?
Um filme amador?
Para piorar, e deixar a produção com tom amadorístico, a direção de Shawn Ku possui muitas falhas (e não só essas mencionadas acima). Há tomadas desnecessárias, cortes abruptos, cenários com aparência de falso. E, as atuações, então, beiram o ridículo. Nicolas Cage se esforça em manter um personagem constantemente alucinado, tentando emular um Christopher Walken. Contudo, os atores Noah Le Gros e Mohamed Karim, que fazem o filho Joey e o matador Dragon estão horríveis, errando feio nos tons das cenas. Para constatar, cheque a discussão no hotel entre Joey e Frank, ou as falas ameaçadoras de Dragon no duelo em frente à casa de repouso.
Por fim, no meio de tantos defeitos, Ajuste de Contas não se sustenta com só uma ideia boa. É mais um fiasco para a carreira de Nicolas Cage.
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Ficha técnica:
Ajuste de Contas | A Score to Settle | 2019 | Canadá, EUA | 103 min | Direção: Shawn Ku | Roteiro: Shawn Ku, John Stuart Newman | Elenco: Nicolas Cage, Noah Le Gros, Karolina Wydra, Mohamed Karim, Ian Tracey, Benjamin Bratt, Bailey Coppola, Dave Kenneth MacKinnon, Sean Owen Roberts, Leanne Khol Young, Nicole G. Leier.