Talvez por ser baseado em eventos reais, o drama holandês Além do Tempo faz questão de conter as emoções. Embora não se baseie em um fato amplamente conhecido (Lucie Hubert e Arthur Kortenoever perderam o filho de cinco anos em uma viagem de barco nos anos 1980), a sua estrutura narrativa prefere sempre entregar o que está por vir.
A opção pela não-linearidade
Contar uma estória de forma não-linear se tornou quase obrigatório para mostrar um cinema supostamente moderno. Mas nem sempre o seu uso impacta positivamente no filme. Aqui, por exemplo, o enredo traz o casal Johanna (Sallie Harmsen) e Lucas (Reinout Scholten van Aschat) num pequeno veleiro mar adentro com o filho Kai (River Oosterink), de cinco anos. A sequência dessa feliz viagem é interrompida por um corte que mostra os dois adultos se reencontrando no presente, quarenta anos depois. Lucas (Gijs Scholten van Aschat) ensaia sua nova peça de teatro musical, e a foto de Kai aparece no telão no fundo do palco. Entra, então, Johanna (Elsie de Brauw) e os dois brigam.
Dessa forma, com essa quebra na linearidade, o filme entrega o que mais de importante acontecerá na trama. Ou seja, que o filho morrerá tragicamente e o casal se separará. Daí para frente, o enredo se concentra mais na versão mais jovem dos protagonistas. Assim, voltamos para bordo do veleiro apenas esperando saber em qual momento acontecerá a tragédia. Ainda com mais alguns flashes que antecipam eventos após a perda, acompanhamos o desespero e depois a tentativa de superar o luto. No entanto, também já sabendo qual será o desfecho.
O efeito dramático, por conta disso, perde força. Nesse caso, não seria mais impactante contar o que aconteceu em ordem cronológica? Tal opção traria um surpreendente contraste entre a alegria do passeio marítimo com o inesperado acontecimento. E, posteriormente, poderia fazer nós torcermos para que o casal supere esse evento traumático e mantenha o belo amor entre eles. Mas, tudo isso é desperdiçado porque já sabemos de antemão o que virá a seguir.
A direção
Além disso, Theu Boermans, que é ator, e que dirige aqui seu terceiro longa, ainda diminui o impacto dramático com escolhas erradas das trilhas musicais para os momentos mais tristes. E, também, por não se preocupar com o tom visual como elemento que reforça o sentimento da dramaturgia. Nesse sentido, usa o vermelho como cor predominante, com o sol do entardecer em cenas de profunda melancolia. Aliás, é por isso que alguns breves trechos filmados após a virada para uma estação mais fria funcionam muito melhor para refletir a tristeza dos personagens.
Pelo menos, Além do Tempo acerta na sua parte final. A estreia da peça musical de Lucas revela uma obra belíssima encenada sobre o palco. Através dela, ele finalmente expurga o trauma da perda do filho. E Johanna, presente na plateia, compreende o que o ex-marido sente há anos. Em um bom momento de direção, a vemos em casa, no escuro da noite, refletindo sobre o que assistiu, com a câmera se movendo lateralmente enquanto ela caminha pensativa pelos cômodos. Por fim, na cena final, Theu Boermans capta a reconciliação, com outro elemento surpresa (mas que foi entregue antes num diálogo quando deveria ter sido reservado para essa conclusão), com a câmera filmando do alto de um drone, partindo da reunião dos personagens e indo até o mar, onde repousa o filho desde a tragédia.
Todo esse epílogo eleva a avaliação do filme, mas ainda assim fica a sensação de que Além do Tempo desperdiça a oportunidade de nos emocionar profundamente.
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Ficha técnica:
Além do Tempo | Zee van tijd / Sea of Time | 2022 | Holanda | 116 min. | Direção: Theu Boermans | Roteiro: Marieke van der Pol | Elenco: Sallie Harmsen, Reinout Scholten van Aschat, Elsie de Brauw, Gijs Scholten van Aschat, River Oosterink, Barbara Sobels, Koen Franse, Mieneke Bakker, Diana Dobbelman, Ruben Lürsen, Jules Hamel, Kim Hertogs.
Distribuição: A2 Filmes.