Animais Noturnos é uma genial metáfora que mescla duas narrativas de diferentes formatos.
Baseado no livro de Austin Wright, Animais Noturnos foi escrito e dirigido pelo famoso estilista de moda Tom Ford, que assina aqui seu segundo longa-metragem. E é uma obra diferenciada desde os créditos iniciais do filme, quando já temos uma sugestão de que estamos diante de uma estória que mexerá com o espectador. Esse trecho inicial coloca várias mulheres obesas seminuas dançando como strippers, enquanto ouvimos uma trilha sonora clássica liderada por violinos pontuando o clima de suspense. Parece até que estamos diante de Twin Peaks, de David Lynch.
Conexão com a realidade
No entanto, essa introdução aparentemente onírica se conecta à realidade da protagonista Susan, interpretada por Amy Adams. As dançarinas aparecem em projeções na exibição de arte de Susan, que é uma mulher de família rica que vive um momento delicado porque o seu marido está à beira da falência e visivelmente desinteressada nela. Porém, esses são apenas os dramas à superfície de Susan. Nas verdade, mais fundo no seu interior há outro que virá à tona a partir do recebimento de um pacote pelo correio.
O seu ex-marido Edward, papel de Jake Gyllenhaal, terminou de escrever seu primeiro livro e o envia para Susan poder lê-lo antes de seu lançamento. O título da obra é “Animais Noturnos” e, quando ela abre o livro, descobre que Edward o dedica a ela. Quando Susan inicia sua leitura, surge na tela a estória do livro, em uma bela construção cinematográfica.
E, no livro, Susan lê a estória de Tony, que viaja com sua mulher e sua filha adolescente pelas estradas desérticas nos EUA. Assim, Susan imagina esse personagem do livro com as características físicas do próprio autor, seu ex-marido Edward, já um indício da conclusão do filme. Nessa estrada vazia, à noite, Tony e sua família são atacados por três homens, em uma sequência extremamente tensa.
O diretor Tom Ford teve a brilhante ideia de cortar os momentos mais extremos dessa ação no romance e inserir a reação da leitora Susan. Dessa forma, Ford aumenta a emoção desse thriller que Edward escreveu e demonstra ao espectador o quanto o livro está afetando Susan – e que representa a essência do filme Animais Noturnos.
Spoilers adiante
Então, a viagem de Tony acaba em tragédia. Indefeso diante de três agressores, ele é abandonado em um local isolado no meio do nada. Enquanto isso, sua mulher e a filha são violentadas e mortas. O investigador policial Bobby Andes encontrará os bandidos, que serão presos. Porém, diante da decisão judicial de soltá-los, Tony e Bobby se vingarão fazendo justiça com as próprias mãos.
Ford trabalha a montagem do filme para reforçar a conexão entre a estória do livro e Susan. Por exemplo, a justaposição do corpo da filha de Tony no livro com o corpo da filha de Susan, na vida real, quando ela telefona para ela. E também a respiração sincronizada de Tony e Susan, numa relação reforçada com o batimento cardíaco que se junta à cena.
Final brilhante
O final de Animais Noturnos amarra brilhantemente essas duas narrativas. Susan está convencida que seu casamento atual está arruinado. Afinal, além do problema financeiro, ela está convencida que ele está tendo um caso. Então, ela volta a se interessar pelo ex-marido, que retomou o contato com ela ao enviar seu primeiro livro que, aliás, ela percebeu que é ótimo e poderá fazer muito sucesso.
Edward e Susan marcam um encontro. Susan escolhe um restaurante fino, veste roupas sedutoras e chega primeiro ao local. Mas Edward nunca aparece e o close final deixa claro que ela compreende que o ex está se vingando dela.
Escrevendo o livro
Nos últimos dias em que estavam casados, Susan aconselhou Edward a não escrever sobre ele mesmo. E deixou claro que o manuscrito que ele havia escrito era bem desinteressante e que ela não acreditava mais no talento de Edward e em melhores perspectivas para o casal. Por isso, ela o abandonou, sem saber que estava grávida. Depois, secretamente, fez um aborto, mas Edward acabou descobrindo.
Então, Edward escreve o livro Animais Noturnos sobre ele mesmo, mas como uma metáfora. O protagonista que ele criou, assim como ele, perdeu a esposa e a filha, e isso arrasou com sua vida. Tony se vingou matando o agressor principal do incidente criminoso. Na vida real, Edward também se sentiu assim, devastado, quando Susan o deixou e ainda matou no aborto o filho dele. Sua vingança toma a forma da estória que ele conta no livro, a quem ele é dedicado, e se completa ao rejeitar a reaproximação de Susan.
E Tom Ford consegue ainda conectar esse final com o prólogo com as dançarinas obesas. Isso porque o livro forçou Susan a encarar o estrago que causou a Edward, que ela se recusa a encarar, como as mulheres dos créditos iniciais que os espectadores são obrigados a observar, mesmo que não queiram.
Animais Noturnos mescla de forma original e inteligente a literatura e o cinema.
Ficha técnica:
Animais Noturnos (Nocturnal Animals, 2016) EUA. 116 min. Dir/Rot: Tom Ford. Elenco: Jake Gyllenhaal, Amy Adams, Michael Shannon, Armie Hammer, Aaron Taylor-Johnson, Laura Linney.
Assista: entrevista com Tom Ford, Amy Adams, Michael Shannon e Aaron Taylor Johnson sobre Animais Noturnos