O filme Argentina, 1985 chega num momento apropriado, quando a extrema direita assume o comando de vários países latinos, acendendo o alerta para um novo fascismo. O tema do longa de Santiago Mitre é a ditadura no que ela tem de mais nefasto: a violência desumana contra os inimigos do regime.
No centro da trama está o julgamento dos militares que praticaram os crimes de tortura durante a ditadura na Argentina. Milhares morreram, outros tantos desapareceram. Coube ao promotor Julio César Strassera (Ricardo Darín) preparar a acusação. Tarefa complicada, pois ele carrega a mancha de ter sido conivente durante o regime militar, e agora se arrisca em uma ação inédita que pode não dar em nada, já que os réus são ainda poderosos. De fato, desde que recebe essa indesejada incumbência, começa a receber ameaças a ele e a sua família (a esposa e os dois filhos). Mas, segue em frente, e acaba se tornando um herói nacional.
Os tons do filme
Santiago Mitre, que já dirigira Ricardo Darín em A Cordilheira (La Cordillera, 2017), habilmente varia o tom ao longo da narrativa de Argentina, 1985. Na primeira parte, por mais surpreendente que possa parecer diante do tema, predomina o tom leve, e até engraçado. Não para provocar gargalhadas, mas para enfatizar o clima descontraídos antes do processo começar. Para conseguir as provas, Mitre inesperadamente contrata jovens advogados para a sua equipe. De uma maneira até fácil demais, o grupo consegue levantar provas e testemunhos de mais de 600 casos de má conduta durante a ditadura.
Durante o julgamento, o clima se torna sombrio. O filme enfatiza os depoimentos das vítimas, com breves inserções do material original captado na época, suficientes para carimbar com selo de autenticidade esse momento marcante da história da Argentina. Assim, sem recorrer a truques modernosos, o diretor Mitre expõe as contundentes histórias de quem sofreu violência física e moral dos opressores, eventos inimagináveis de sadismo e crueldade, de total falta de empatia por outros seres humanos. São relatos tristes e revoltantes.
Na parte final, o filme assume um tom triunfante, como esperado. Afinal, o clímax dramático mais aguardado em filmes com cenas de tribunais é a argumentação dos patronos na lide. Nesse sentido, a acusação de Strassera ganha formas de um discurso empolgante. Ataca a ação criminosa que não levou a julgamento formal os suspeitos que se tornaram vítimas de atrocidades terríveis. Com isso, resultando em mortes em quantidade suficiente para se enquadrar esses atos como genocídio. O objetivo maior, ao buscar a justiça punindo os infratores, olha para o futuro: “nunca mais”.
Darín e o Oscar
Quem dispara essa argumentação com eloquência é o ator argentino mais conhecido mundialmente, Ricardo Darín. Agora numa fase menos prolífica – seu último longa tinha sido A Odisseia dos Tontos (La odisea de los giles, 2019) – merece atenção especial todo filme que ele protagoniza. Com sua voz determinada, fica a mensagem para que nenhum país latino permita que o extremismo político faça mais vítimas desses crimes contra a humanidade.
Por fim, vale apontar que, diante dessa força da atualidade, Argentina, 1985 foi a escolha do país para representá-lo na disputa do Oscar de melhor filme internacional.
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Ficha técnica:
Argentina, 1985 | 2022 | 140 min | Argentina, EUA, Reino Unido | Direção: Santiago Mitre | Roteiro: Santiago Mitre, Mariano Llinás, Martín Mauregui | Elenco: Ricardo Darín, Gina Mastronicola, Alejandra Flechner, Paula Ransenberg, Gabriel Fernández, Norman Briski, Claudio Da Passano, Félix Rodríguez Santamaría, Almudena González, Manuel Caponi, Leyla Bechara, Peter Lanzani, Brian Sichel, Antonia Bengoechea, Santiago Rovito.