Nos isolados vales dos Pirineus Aragoneses, ninguém morre sozinho. Quando uma pessoa está à beira da morte, Ánchel coloca nas suas costas Armugan, e o leva para acompanhar os últimos suspiros do moribundo.
Filmado em preto e branco, o filme Armugan dedica a sua primeira parte à exposição desse peculiar costume desse povoado. Pouco se fala, e temos a impressão de que Armugan, que tem os pés deformados e não pode andar, é também mudo. Porém, ele consegue falar, e conta com uma ovelha como sua confidente.
Um pedido forasteiro
A segunda parte do filme traz um pedido de ajuda de uma mulher da cidade. Ela solicita que os dois ajudem-na a desligar os aparelhos que mantêm vivo o filho dela, uma criança que não consegue sair da cama. A mãe deseja terminar com o sofrimento dele, como ele também quer, segundo ela. Porém, Armugan é veemente contra, enquanto Ánchel concorda em deixar o menino morrer. Assim, surge a questão fundamental deste que é o quarto longa ficcional do diretor e roteirista Jo Sol, natural de Barcelona. Acima de tudo, uma questão filosófica, cujos argumentos opostos expõem os dois protagonistas.
Armugan, por causa de sua deformação, viveu num hospício, de onde poucos sobreviveram. Por isso, ele valoriza a vida, e agradece a sorte de vivê-la. Segundo suas palavras: “Um dia iluminado, uma possibilidade remota, era o suficiente para amar a vida”. Para ilustrar esse pensamento, o diretor Jo Sol coloca imagens de pequenos insetos e de gotas pingando. Ou seja, apontando que mesmo o que parece insignificante merece ser apreciado, especialmente a vida, inclusive a de seres minúsculos.
Por outro lado, Ánchel revela em pensamento que odeia a vida. Para ele, viver é um peso, como reforçam as vozes de pacientes agonizantes das quais ele recorda de sua experiência passada em um hospital. Neste caso, a imagem ilustrativa traz urubus, seres que sobrevivem graças ao alimento que a morte lhes oferece.
Amor aos vivos
As duas opiniões contraditórias não os impedem de prestar o serviço que oferecem. Afinal, apreciando ou não a vida, os vivos merecem ser amados, como o próprio Ánchel afirma. Portanto, que tenham uma passagem tranquila para a morte. Além disso, o filme ressalta a inevitabilidade da morte, ao colocar uma procissão durante os créditos finais, com todos os personagens presentes.
Apesar do tema filosófico, Armugan é um filme agradável de se assistir. Traz uma bela fotografia em preto e branco, enquadramentos que valorizam o cenário natural, câmera na mão só quando a narrativa exige, e ótimas atuações. Enfim, uma obra que privilegia a inteligência e incita à reflexão.
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Ficha técnica:
Armugan | 2020 | Espanha | 91 min | Direção e roteiro: Jo Sol | Elenco: Gonzalo Cunill, Íñigo Martínez, Diego Gurpegui, Núria Lloansi, Núria Prims.
Esse filme está na seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.