“As Duas Inglesas e o Amor” adapta o livro de Henri-Pierre Roché, o mesmo autor de “Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois” (Jules et Jim, 1962). Dois filmes do gênero que seu diretor, François Truffaut, se tornou especialista, o romance trágico. Aliás, onde podem ser classificados outros títulos seus como “Um Só Pecado” (La Peau Doce, 1964) e “A História de Adèle H.” (L’Histoire d’Adèle H., 1975).
Nessa estória, ambientada no início do século XX, o jovem Claude (Jean-Pierre Léaud) conhece e se torna amigo de Ann Brown (Kika Markham), uma inglesa em Paris. E ele a convida a passar uns dias em sua casa na Inglaterra. Lá, ele conhece Muriel (Stacey Tendeter), a irmã mais nova de Ann, por quem se apaixona. Muriel, porém é frágil e puritana, e Claude precisa partir. Então, os dois se prometem trocar correspondências e se casar após um ano. Porém, o jovem prefere aproveitar a sua juventude com outras mulheres, e conta a Muriel que não a ama. Por isso, Muriel entra em desespero e fica doente. A sua recuperação depende de se afastar completamente de Claude. O reencontro só se daria anos depois, após Ann e Claude se relacionarem durante um tempo.
Truffaut na direção
Truffaut trabalha seu amplo conhecimento cinematográfico, amadurecido durante seu ofício de crítico na revista Cahiers du Cinéma. Assim, ele suspende a aparição de Muriel quando Claude chega à casa dos Browns. Ela só surge nas telas no segundo jantar da família, e ainda com uma venda nos olhos, devido aos problemas que tem na vista. Dessa forma, o diretor procura compartilhar a curiosidade de Claude com o público e a sua admiração pela beleza dela quando a conhece definitivamente. Nessa e em várias outras cenas, a voz de Truffaut como narrador resolve o formato de transpor para a tela os pensamentos dos personagens tal como foram escritos no livro.
Além disso, há um belíssimo travelling obtido com a câmera dentro de um barco. Ela acompanha o caminhar de Ann na casa na Suíça onde ela passa uma semana com Claude para testarem a química entre os dois. Eles se aproximam progressivamente a cada dia, até fazerem amor. Mas, resolvem partir separados. Cada um vai embora em um bote, e essa cena é filmada em posição reversa do início da semana. Agora, a câmera está fixa na terra, enquadrando os dois personagens que partem, uma metáfora da razão que agora domina a decisão dos jovens.
Truffaut repete nesse filme alguns truques comuns em sua cinematografia. O resgate do uso da íris para abrir ou fechar uma cena, ou para enfatizar algum detalhe, é um deles. Os jump cuts tão caros ao início da nouvelle vague também, para enfatizar cenas dramáticas, inclusive para chegar a close ups extremos. O diretor não permite que o espectador fique distante dos personagens, e consegue isso principalmente quando os coloca falando diretamente para a câmera em momentos de alta intensidade.
Sensualidade
“As Duas Inglesas e o Amor” se destaca também pela sua sensualidade. Ela desponta não só da nudez das duas belas protagonistas, mas principalmente nos momentos em que a atriz Stacey Tendeter, que interpreta Muriel, solta seus gemidos de prazer, ao finalmente conhecer o sexo com um homem depois de anos de vida puritana. Afinal, como em “Clamor do Sexo” (Splendor In The Grass, 1961), a noção de pecado imposto pela religião afeta o equilíbrio emocional das duas jovens desses dois filmes.
Obs: Em alguns lugares, esse filme aparece com o nome “As Duas Inglesas e o Continente”, título do lançamento em Portugal.
Ficha técnica:
As Duas Inglesas e o Amor (Les Deux Anglaises et le Continent, 1971) França, 130 min. Dir: François Truffaut. Rot: François Truffaut & Jean Gruault. Com Jean-Pierre Léaud, Kika Markham, Stacey Tendeter, Sylvia Marriott, Marie Mansart, Philippe Léotard, Irène Tunc, Mark Peterson, Georges Delerue, Marie Iracane, Marcel Berbert, Jeanne Lobre, David Markham, Sophie Baker, François Truffaut.
Assista: entrevista com François Truffaut no Eyes On Cinema