A diretora Halina Reijn parece apresentar em Babygirl uma variação de Instinto (2019), seu filme de estreia na função. Os dois envolvem uma mulher e um homem num conflito sexual e perigoso onde ela tem posição de autoridade sobre ele, enquanto ele é quem possui uma maior capacidade de influenciar na prática. A questão central, então, é: quem de fato manipula quem? Enquanto no longa anterior o homem representa uma ameaça física, neste ele é um chantagista que pode fazê-la perder tudo.
E Romy (Nicole Kidman) tem a perder o seu cargo de executiva em uma empresa de automação em e-commerce, e a sua família, composta pelo marido Jacob (Antonio Banderas) e suas duas filhas adolescentes, Isabel (Esther McGregor) e Nora (Vaughan Reilly). Sua carreira de sucesso e sua vida harmoniosa em casa correm risco a partir do momento em que ela entra no jogo do recém-contratado estagiário Samuel (Harris Dickinson). Diferente dos demais colegas da mesma posição, ele não se intimida com a posição de Romy. Começa fazendo uma pergunta desconfortável diretamente para ela, depois se aproxima cada vez mais audaciosamente, de maneira sexualmente provocativa.
A abertura do filme escancara a fragilidade de Romy no quesito sexo. Depois de transar com o marido, ela corre para um quartinho sozinha para alcançar o orgasmo assistindo a um vídeo pornô onde uma moça jovem é colocada em posição subserviente. Ciente dessa sua perversão, ela permite a abordagem de Samuel, até o fim acreditando que ela está no controle. Em certo momento, racionaliza que sua atitude nessa relação se assemelha a pagar alguém para lhe proporcionar prazer (no caso, humilhando-a).
Submissão
No entanto, o que Halina Reijn coloca nas telas são cenas degradantes de submissão abusiva. No primeiro encontro de Romy com Samuel, ele a manda ficar de quatro e pegar com a boca uma bala nas mãos dele, como se fosse uma cadela. Em seguida, se deita no chão e ele a manipula por trás. Essa sequência só não chega a ser definitivamente chocante porque a câmera se fixa no rosto de Nicole Kidman, com Harris Dickinson em segundo plano em desfoque. A ideia está ali, mas cabe ao espectador imaginar o tamanho do abuso – e isso depende do que cada um conhece a respeito do assunto, o que é ruim para o filme.
O personagem Samuel não encarna o tipo ameaçador. Seu poder está na manipulação das pessoas através da sedução. Apesar de se fingir de tolo, ele consegue obter os resultados que deseja. Por exemplo, logo conquista Esme (Sophie Wilde), a assistente de Romy, só para usá-la na sua estratégia maior com seu alvo principal. Da mesma forma, em uma rápida visita logo ganha a empatia dos demais integrantes da família de Romy.
Porém, esse poder de manipulação do charmoso vilão não é suficiente para construir o suspense que o filme precisa. Durante o processo de sedução, a dúvida se Romy vai ceder ao jogo gera certa tensão. Como vimos que ela valoriza bastante a família e o seu trabalho, cria-se grande expectativa se ela vai colocar tudo isso em risco em prol de seu desejo. Porém, Halina Reijn busca o suspense muito mais pelo uso da trilha musical e dos sons e ruídos do que através de um uso criativo da câmera, da fotografia ou da edição (neste ponto, nada além do básico uso de planos mais curtos em momentos de maior tensão).
Assuntos conexos
Babygirl se passa na época do Natal, o que talvez justifique seu lançamento nos cinemas nesse momento (no dia 9 de janeiro, para ser mais exato). Na trama, isso ajuda a reforçar a importância da família para a protagonista. Já a escolha da canção “Never Tell Us Apart”, lançada em 1987 pela banda INXS, não parece ter um motivo específico. A outra canção em destaque é a original “Leash”, de Sky Ferreira, cantora americana de ascendência portuguesa e brasileira. Esta possui uma letra muito ligada ao tema (veja o verso “Surrender to the master, in the end, nothing matters”), mas não é usada nas cenas de sexo, o que lhes daria um adequado toque mais agressivo.
A personagem Esme, que desde o início tem um discurso feminista, acaba sendo vítima desse relacionamento proibido da sua chefe com um estagiário. Quando se vê prejudicada pela mulher no poder que até então era seu modelo idealizado, ela expressa uma indignação similar à dos espectadores diante das cenas de submissão humilhante. Afinal, parece que o filme ratifica o comportamento do macho abusivo. Esse deve ter sido o motivo para a obrigatória cena que desmente essa impressão. Nela, quando um outro executivo faz uma proposta sexual machista para Romy, ela responde na lata que não tolera esse tipo de abordagem (é nesse trecho que entra a frase sobre pagar alguém para humilhá-la).
Com os freios puxados
O desfecho de Babygirl acerta em surpreender o público ao revelar que, desde o fortuito episódio do cão bravo na calçada, Samuel estava no controle, manipulando tudo. Mas, apresentar um final feliz demais, com todos conciliados, soa forçado. O marido agora sendo o provedor do prazer, então, parece facilitar demais esse final feliz. Uma conclusão mais adequada deixaria Romy, mesmo que infeliz por ter perdido tudo, pensando, enganada, que ela entrou no jogo por sua própria vontade de buscar o prazer.
Mas, não é apenas nessa conclusão que o filme de Halina Reijn puxa os freios. Isso acontece também nas cenas de submissão que deviam ser mais explícitas, bem como na construção de momentos de maior suspense. Pelo menos, o filme consegue manter o público ansioso para saber como esse relacionamento torto se desenvolve até a parte final. Mas, a partir do confronto entre marido e esposa, o que funcionava também se perde.
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Ficha técnica:
Babygirl | 2024 | 114 min. | Países Baixos, EUA | Direção: Halina Reijn | Roteiro: Halina Reijn | Elenco: Nicole Kidman, Harris Dickinson, Antonio Banderas, Sophie Wilde, Esther McGregor, Vaughan Reilly, Victor Slezak, Leslie Silva.
Distribuição: Diamond Films.