Após o registro dos conflitos sociais em Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7, 2020), o diretor e roteirista Aaron Sorkin revisita uma semana decisiva para um dos programas de TV de maior audiência nos EUA durante os anos 1950. Apresentando os Ricardos (Being the Ricardos, 2021) capta os dias seguintes à notícia radiofônica que acusava a atriz Lucille Ball de ser comunista. Na era do Macarthismo, tal revelação decretava a destruição de qualquer carreira. Para piorar, um folhetim revelava uma infidelidade do marido de Lucille, o galã cubano Desi Arnaz.
Assim, o filme acompanha as tensas preparações para o episódio semanal do programa I Love Lucy (1951-1957), protagonizado pelos dois, em meio a essas atribulações.
Narrativa interrompida
Alguns flashbacks interrompem com recorrência essa narrativa que, se não fosse por isso, seria cronológica. Esses trechos trazem momentos importantes da história de Lucille e Desi, como o momento em que se conheceram e quando ela saiu da rádio para a TV CBS, levando junto seu marido. À parte serem fatos cruciais para a vida dos protagonistas, essas intervenções soam forçadas e atrapalham a fluidez da trama.
Já outra intervenção recorrente possui efeito oposto. Os rápidos trechos de depoimentos dos envolvidos no programa em idade avançada dão um tom de mockumentary (falso documentário). Além de surpreenderem o espectador, ainda enfatizam e até polemizam partes do relato que o filme traz a público.
Por outro lado, a intenção de enaltecer Lucille Ball é evidente. Em diversas oportunidades, Apresentando os Ricardos mostra que a atriz fornecia contribuições valiosas para o programa. Seu senso apurado para a comédia e para a construção dos personagens da sitcom foram essenciais para o sucesso do show. Com efeito, os aplausos de apoio que ela recebe do público ao gravarem o episódio dessa semana emocionam, também, o espectador do filme, que torce para que sua carreira não sucumba diante da desprezível perseguição aos comunistas.
Além disso, Apresentando os Ricardos ainda levanta a bandeira do feminismo, que ainda nem existia formalmente. Primeiro, porque evidencia o protagonismo de Lucille Ball no seu show sem ser devidamente reconhecido e creditado. Segundo, porque a gravidez da atriz, descoberta nessa mesma semana atribulada, causa imenso rebuliço na produção. Afinal, o conservadorismo da sociedade norte-americana não aceitava a gravidez dos protagonistas do seriado, porque isso implicaria que eles faziam sexo.
Direção e elenco
Nicole Kidman tenta desaparecer dentro de seu personagem, e busca a semelhança física com Lucille. Funciona perfeitamente quando ela interpreta Lucy Ricardo, a personagem do programa, com a peruca e maquiagem que a popularizaram. O visual fica ainda mais parecido nos trechos em preto e branco, como era de fato o seriado. No entanto, quando ela interpreta a atriz sem esses acessórios, é difícil ignorarmos a presença de Nicole Kidman. Da mesma forma, Javier Bardem convence mais quando atua num tom um pouco acima do natural, como era a figura charmosa de Desi Arnaz.
Vencedor do Oscar de melhor roteiro por A Rede Social (The Social Network, 2010), Aaron Sorkin acerta na escolha do assunto retratado em Apresentando os Ricardos. A televisão dos anos 1950 nos EUA representou um fenômeno cultural de enorme impacto. Então, conhecer seus bastidores seria com certeza uma experiência reveladora. Porém, Sorkin cria um roteiro irregular. Sente-se na obrigação de contar a história da vida de Lucille Ball. Por isso, usa vários flashbacks, que confundem o espectador e quebram o fluxo da narrativa. Com isso, o resultado é um longa próximo a uma cinebiografia de Lucille Ball, ao invés da proposta instigadora de transpor para as telas a conturbada semana que mudou a sua vida.
