Bela Vingança é um dos exemplares mais criativos e contundentes dos filmes #metoo.
A atriz inglesa Emerald Fennell, da série The Crown, estreia na direção e roteiro de longa-metragem em Bela Vingança. E, demonstra muita garra nessa estória sinistra e brilhante que enfrenta o sexismo com uma latente necessidade de erguer sua bandeira contra o abuso.
Carey Mulligan interpreta Cassandra, uma antes promissora jovem estudante de medicina que resolve largar tudo depois que sua melhor amiga sofre uma tragédia. Agora, Cassandra trabalha como atendente de uma cafeteria, para desgosto de seus pais. Porém, nem eles, nem ninguém mais, sabem que ela tem outro propósito na vida. Às noites, ela ronda pelos bares para se vingar dos homens que se aproveitam das mulheres embriagadas. Porém, o costume de dar uma lição de moral nesses aproveitadores se torna mais letal depois que ela descobre o que fizeram com sua melhor amiga.
Romance sinistro
Desde o início de Bela Vingança, predomina o tom sinistro. Afinal, Cassandra age como uma serial killer. Apesar disso, a princípio, suas intenções são apenas de assustar os homens para que eles parem de agir como predadores. Eventualmente, sua vida parece começar a tomar outros rumos quando ela reencontra um antigo colega da faculdade. Logo, começam a sair juntos, e o filme ganha ares mais leves. Em um breve trecho, até flerta com o musical.
A direção de Emerald Fennell utiliza os elementos visuais para evidenciar os diferentes climas da estória. Para isso, situa as cenas sombrias à noite e o romance de dia. Mas, ela vai além desse recurso tradicional, e trabalha, também, os cenários e os objetos de cena. Por exemplo, quando Cassandra engata um namoro com o ex-colega, há um plano em que há uma espécie de quadro em forma de uma moeda em segundo plano, para mostrar que ela é uma mulher que tem seu valor.
Mais tarde, ela confronta uma colega de classe que acobertou o que se passou com sua amiga. Na cena, Cassandra está sentada no centro de um sofá de três lugares. O enquadramento é perfeitamente alinhado, e o encosto do sofá se assemelha a asas atrás da protagonista. Em contraponto, à sua frente está a colega Madison (Alison Brie), num plano onde tudo está bagunçado. Com isso, sabemos que Cassandra está equilibrada e confiante que obterá o que precisa saber da vulnerável Madison.
Spoilers adiante
É necessário quebrar parte da surpresa de Bela Vingança para falarmos do seu tema principal. Afinal, Cassandra fica totalmente transtornada ao descobrir que sua amiga foi vítima de um estupro coletivo, e isso acabou arruinando a vida dela, até levando à morte. Por isso, sua vingança contra os envolvidos será muito além das lições de moral que ela vinha praticando até então. Agora, o lance é mais brutal. E, nos fará lembrar de outras enfermeiras letais, como a de Daryl Hannah em Kill Bill Volume 1 (2003) ou a de Eihi Shiina em Audição (1999).
Apesar do tema, Bela Vingança não ignora a vulnerabilidade física da mulher. Por isso, o desfecho é uma surpresa. Após uma cena aterrorizante, a conclusão dá uma virada daquelas que fazem o público aplaudir nos cinemas. Além disso, ainda, coloca a cereja no bolo ao alfinetar os machistas com a ideia de que as mulheres podem ser mais frágeis, mas são mais inteligentes.
Obs: assistimos ao filme numa sessão de screening virtual da THR.
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Ficha técnica:
Bela Vingança | Promising Young Woman | 2021 | Reino Unido, EUA | 113 min. | Direção e roteiro: Emerald Fennell | Elenco: Carey Mulligan, Bo Burnham, Alison Brie, Adam Brody, Jennifer Coolidge, Molly Shannon.