Em Bem-vindo Mr. Marshall!, o polêmico diretor Luis García Berlanga satiriza a posição dos países europeus ajudados pelos Estados Unidos.
O Plano Marshall, iniciado em 1948, visava a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. A Espanha não recebeu essa ajuda, pois havia sido conivente e até colaboracionista com os países do Eixo. Porém, com a Guerra Fria na década de 1950, os EUA se aproximaram da Espanha para que se alinhassem contra a União Soviética. Assim, é nesse contexto histórico que surge Bem-vindo Mr. Marshall!.
O filme apresenta uma criativa sátira a essa abertura da Espanha aos EUA. Para isso, retrata o microcosmo de um pequeno vilarejo espanhol. A notícia de que representantes dos Estados Unidos visitarão o local desperta a esperança de que todos receberão presentes dos americanos – numa alusão à ajuda econômica do Plano Marshall. Então, todos os moradores, do trabalhador rural ao prefeito, interrompem sua rotina para se dedicar à preparação de uma memorável recepção aos visitantes.
Toda a população se entusiasma e até registra o seu pedido individual para os americanos numa lista que o prefeito prepara. As únicas exceções são o padre Dom Cosme e o fidalgo Dom Luís. Afinal, o padre desconfia das intenções por trás dos presentes e o fidalgo se ressente dos seus ancestrais mortos pelos índios americanos.
Direção criativa
Bem-vindo Mr. Marshall! marca a estreia do diretor Luis García Berlanga em longas-metragens. Aliás, o entusiasmo de iniciante está evidente no filme. De cara, já nos surpreendemos na primeira sequência, quando ouvimos uma voz conduzindo a história com um tom encantador, mesclando cinismo e contemplação. O ator que interpreta esse narrador, que não é um personagem da trama, é Fernando Rey, que ficou conhecido sob a direção de Luis Buñuel, por exemplo, em Viridiana (1961) e O Discreto Charme da Burguesia (1972).
Então, nessa sequência inicial, as imagens assumem uma característica metalinguística e expressam literalmente o que o narrador conta. Por exemplo, o quadro fica congelado para explicar melhor o ambiente do vilarejo. Então, para ficar ainda mais didático, as pessoas na tela desaparecem, para não atrapalhar a explanação. Daí, uma sucessão de cenas rápidas acompanha a apresentação dos principais moradores locais, e, tal criatividade, surpreendente para a época, continua durante o filme todo.
Em muitos momentos, o efeito é hilário. Dentre eles, destacam-se as sequências dos sonhos, que revelam os pensamentos íntimos dos personagens. Assim, vemos o pesadelo do padre sendo sentenciado por atitudes antiamericanas. Além disso, o fidalgo sendo atacado por índios canibais. Já o prefeito se delicia se vendo dentro de um faroeste, símbolo de sua admiração pelos americanos.
Como curiosidade, um segmento dentro dessa série de sonhos foi censurado pela ditadura de Franco: o devaneio erótico da professora da cidade com um americano. Ou seja, uma provocadora conotação política do que os EUA fariam com os países que ajudaria. Aliás, o corte aconteceu justamente por ser considerado antiamericano. Depois, em 2002, o diretor refilmou esse trecho na forma do curta-metragem El sueño de la maestra, o último trabalho de sua carreira.
O diretor Luis García Berlanga
O viés político na obra de Luis García Berlanga é herança de seu pai, um deputado da Frente Popular, formada por organizações políticas de esquerda. Entre os filmes mais famosos de Belarga, estão: Onde o Mundo Acaba (1956), Plácido (1961), indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, e O Carrasco (1963). Aliás, sua abordagem política demonstra a coragem desse cineasta, pois ele realizou a maior parte de sua filmografia durante o período da ditadura de Franco.
Enfim, se você ainda não conhece esse que é um dos maiores diretores espanhóis, vale a pena começar por Bem-vindo Mr. Marshall!. Além de ser cronologicamente seu primeiro longa, é um filme muito divertido, com linguagem inovadora, tendo por trás uma crítica política e social muito séria.
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Ficha técnica:
Bem-vindo Mr. Marshall! (Bienvenido Mister Marshall) 1953. Espanha. 78 min. Direção: Luis García Berlanga. Roteiro: Juan Antonio Bardem, Luis García Berlanga, Miguel Mihura. Elenco: Lolita Sevilla, Manolo Morán, José Isbert, Alberto Romea, Elvira Quintillá, Luis Pérez de León, Félix Fernández, Fernando Rey (voz).
Onde assistir?
Ficou interessado? Então, aproveite: o filme está na programação do Festival “Volta ao Mundo: Espanha” da plataforma Belas Artes à la Carte, entre os dias 3 e 16 de junho de 2021.