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Bird (filme de 1988)
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Bird

Avaliação:
9/10

9/10

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Crítica | Ficha técnica

Clint Eastwood já dirigira treze filmes antes de Bird (1988), quase todos com qualidade acima da média. Mas, foi com a cinebiografia de Charlie ‘Bird’ Parker que Eastwood conquistou respeito como diretor de filmes de prestígio. Para os franceses, representou um presente, o argumento que precisavam para comprovar seu cinema autoral. O festival de Cannes, que antes ousou indicar Cavaleiro Solitário (Pale Rider, 1985) para a Palma de Ouro, repetiu o feito, desta vez apoiado pelos críticos, tanto na França (a Cahiers du Cinema premiou Bird com o Top 10 Film Award), como internacionalmente.

De fato, Bird apresenta características de filme de arte. Apesar de levar para as telas um músico famoso, é o seu drama que se sobressai, e não uma reverência à sua obra. E, mesmo que Eastwood seja um apreciador declarado do jazz de Charlie Parker, ele não cai na tentação de se estender demasiadamente nas apresentações do saxofonista. Aliás, como fez recentemente Bryan Singer em Bohemian Rhapsody (2018), que reproduz a performance do Queen de uma música completa no Live Aid. Seria um deleite ver por mais tempo Charlie Parker tocando seu instrumento, na incrível interpretação de Forest Whitaker, mas manter o foco na narrativa, sem dúvida, fortalece o filme.

Os primeiros minutos de Bird revelam como será a divisão de temas no longa. Há uma breve aparição de Parker tocando, um plano em câmera lenta de um prato de bateria sendo arremessado (que voltará recorrentemente várias vezes), e uma nervosa discussão com sua esposa Chan (Diane Venora). Por fim, uma ambulância leva Parker a uma instituição para tratamento psicológico após uma tentativa de suicídio. É 1º de setembro de 1954, e o músico paga as consequências do vício em drogas e bebidas.

Narrativa não-cronologica

A narrativa avança e retrocede no tempo, refletindo o desnorteamento do músico que não conseguiu guiar sua carreira como fez seu amigo Dizzy Gillespie (Samuel E. Wright). No filme, Dizzy repreende Parker por agir justamente como os brancos esperam dos negros. Em outras palavras, como se fossem irresponsáveis. O plano do prato de bateria aparece em vários momentos, relembrando a Parker o momento crucial de sua vida como músico. Quando era jovem, subiu no palco para um duelo de saxofone com um músico já consagrado, e foi humilhantemente interrompido pelo arremesso do baterista. Tal vergonha o levou a treinar com afinco para se tornar genial em seu instrumento (clichê que Eastwood acerta em não mostrar explicitamente no filme). O mesmo plano sela a sua morte, aos 34 anos, com aparência de 65.

Bird reforça a amargura de Parker, um músico que nunca teve o reconhecimento financeiro que seu talento demandava, por seu comportamento imprevisível devido à ingestão de drogas e álcool. Devido a essa abordagem, Eastwood opta por uma fotografia tão escura, que mal conseguimos ver os atores na penumbra. Esse escuro total se tornaria ainda mais sublime em Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992), talvez a sua obra-prima. Nos dois filmes, o diretor de fotografia é Jack N. Green.

Plano sequência de musical

Curiosamente, uma das sequências mais deslumbrantes de Bird se caracteriza por seu forte colorido. Antes de entrar nela, vemos Chan Parker no consultório psiquiatra, prestes a decidir se autoriza uma intervenção cirúrgica no cérebro do marido, que pode prolongar sua vida, mas acabar com sua essência. O close de seu rosto à direita da tela dá espaço para outra imagem que surge à esquerda, lembrando a tela dividida que Brian De Palma utilizou em Um Tiro na Noite (Blow Out, 1981) – com John Travolta e uma coruja. Então, a imagem de Chan se dissolve e entramos na agitada rua dos bares e nightclubs de Chicago.

Em um plano sequência digno de Martin Scorsese, acompanhamos um promotor circulando em busca de clientes para o seu empregador. O brilhantismo desse trecho do filme não para aí, pois ainda inclui um flashback dentro do flashback, regressando ao momento em que o jovem Parker é humilhado no palco.

A sequência descrita acima, pelo sincronismo ensaiado e pelas cores alegres remetem aos musicais clássicos. Além disso, o uso constante de cenários de estúdio também nos faz lembrar o artificialismo desse gênero cinematográfico. Essa ousadia de Eastwood, porque a trama é pesadamente dramática, ganha contrapeso por concentrar os números musicais, majoritariamente, nos palcos, ensaios e gravações. Ou seja, não espere encontrar nesse musical à Eastwood personagens cantando suas falas, ou narradores contando a história com versos melódicos. A música de Charlie Parker só surge quando ele toca.

Assim, Bird retrata a amarga vida de Charlie ‘Bird’ Parker, encurtada e limada pelos seus vícios. Porém, sem deixar de expor a genialidade de seu legado musical.


Bird (filme de 1988)
Bird (filme de 1988)
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