O filme Calmaria parece um episódio de Além da Imaginação forçado a ser longa-metragem.
O novo filme de Anne Hathaway e Matthew McConaughey possui uma trama digna de um thriller policial. McConaughey interpreta Baker Dill, um pescador que vive em uma pequena cidade costeira na ilha tropical Plymouth, obcecado em fisgar um enorme atum. Sua vida pacata muda quando chega sua ex-mulher Karen (Hathaway), com quem não fala há dez anos. Ela encomenda a ele o assassinato do seu atual marido Frank (Jason Clarke), que a espanca constantemente. Porém, nem as súplicas de Karen, nem os 10 milhões de dólares que oferece pelo serviço, comovem Baker Dill. Então, ele só aceita porque Patrick (Rafael Sayegh), o filho que tiveram juntos, está sofrendo por conviver com a mãe e o padrasto em um clima de constantes brigas.
Mergulho na fantasia
Esse plot, no entanto, representa apenas a superfície de uma estória que leva a o filme para o gênero fantasia. A dica surge logo na sequência de abertura, quando a câmera começa em um close up extremo do semblante de Patrick e se aproxima até entrar em um dos olhos, fundindo sua íris com o mar, onde começa a estória. Na verdade, tudo o que acontece na trama está dentro da mente de Patrick, que cria essa fantasia como uma metáfora para justificar e lhe dar coragem para uma solução drástica que ele planeja para melhorar sua vida.
A ideia dessa estória é boa, mas funcionaria melhor como um episódio do seriado Além da Imaginação. Afinal, a série sempre começava com uma situação que seria desmascarada na parte final. Porém, isso se desenrolava em trinta minutos, e essa duração faz toda a diferença. Em Calmaria, a surpresa é revelada em doses grandes demais, permitindo ao espectador descobri-la muito cedo, o que arruína a estória.
Provavelmente essa falha se origina da experiência de Steven Knight, um veterano roteirista que aqui também assume a direção. Acostumado a escrever para a televisão, meio no qual foi criador de vários seriados, Knight usa no filme Calmaria uma ideia boa para a tela pequena. Mas, a usa em um filme para o cinema, ignorando as diferenças entre os dois formatos.
Por outro lado, o filme ainda desperdiça tempo com as cenas com a personagem de Diane Lane, a “ficante” de Baker Dill. Ela não têm nenhuma relação com a trama principal e não contribuem em nada para o andamento da narrativa. Pelo contrário, até atrapalham.
O que se salva em “Calmaria”
Anne Hathaway exibe em Calmaria um cabelo loiro tingido, que diminui um pouco sua beleza, mas está conectado com sua personagem, que se transformou em uma dondoca submissa depois que se casou com o ricaço Frank, quando Baker Dill desapareceu na guerra.
E alguns detalhes foram bem pensados, criando consistência com a ideia original. Enquanto a estória se desenrola, vemos o garoto Patrick no computador, criando a estória que estamos assistindo, enquanto sua mãe e o seu padrasto discutem violentamente. O pássaro que sobrevoa o barco de Baker Dill parece um pterodátilo, e só pode ser fruto da imaginação de um menino. E o valor de 10 milhões para o assassinato é tão exagerado que também guarda relação com a idade de Patrick. Finalmente, “calmaria” (serenity no original) é o nome do barco de Baker Dill, e representa o que o seu filho mais deseja, um ambiente de paz em casa.
O filme Calmaria poderia ser um eficiente thriller de assassinato, mas ousa seguir para o campo da fantasia. O que seria bom, mas não funcionou como longa-metragem.
Ficha técnica:
Calmaria (Serenity, 2019) EUA. 106 min. Dir/Rot: Steven Knight. Elenco: Anne Hathaway, Diane Lane, Matthew McConaughey, Jeremy Strong, Jason Clarke, Djimon Hounsou, Garion Dowds.
Trailer:
Steven Knight escreveu o roteiro de Coisas Belas e Sujas – leia a crítica.