Em Campo Grande, personagens carentes se encontram e buscam o amor que perderam.
O menino Ygor está carente do amor materno. Sua mãe o abandonou no centro do Rio de Janeiro junto com a sua irmã caçula Rayane. Enquanto espera pelo retorno da mãe, procura abrigo no apartamento de Regina. Ela é uma antiga ex-patroa de sua avó que está se separando de seu marido.
Regina está abalada emocionalmente e não quer se preocupar em cuidar dessas duas crianças que ela nem conhece. Ela enfrenta problemas próprios. Afinal, precisa consertar o relacionamento com a filha de 18 anos. Por isso, leva os meninos para um orfanato. Ygor, porém, foge e retorna para o apartamento de Regina, pois ele acredita que sua mãe logo retornará para buscá-los. A dona de casa de classe média, então, resolve levá-lo até a casa onde ele mora com a avó. Segundo ele, numa comunidade pobre no bairro de Campo Grande, que fica a 55km do centro do Rio de Janeiro.
A direção
A diretora Sandra Kogut consegue, neste seu segundo longa-metragem, conduzir a emoção do espectador. No início de Campo Grande, vemos as duas crianças sozinhas numa praça do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo que a sequência provoca apreensão porque elas são bem novas, talvez com 9 e 6 anos, não há nenhum apelo para provocar a empatia por elas. Elas estão mal vestidas, sujas, a menina urina na grama, e suas atitudes são irritantes quando sobem ao apartamento de Regina. Da mesma forma, a dona de casa também afasta o público, porque ela, de cara, refuta em ajudar as crianças. E fica nervosa com elas, enquanto reclama da empregada. Ela também está mal vestida, sem nenhuma maquiagem. As personagens estão literalmente despidas em algumas cenas, indicando que suas emoções estão à flor da pele, nada esconde a aflição que sentem.
Sustentando essa intenção, Sandra Kogut escolhe fragmentar em planos curtos, com muitos cortes, essas sequências iniciais. A câmera não fica parada muito tempo nas personagens para, assim, evitar a empatia do público. Conforme o filme avança, os planos se tornam mais longos, repousando nos personagens. Assim, aos poucos conquista a emoção do espectador, que acompanha o sentimento que os protagonistas sentem reciprocamente.
O momento da virada na estória, quando o filme permite que a empatia brote, é a sequência em que Lila, a filha de Regina, se senta ao piano e começa a tocar “Love”, de John Lennon. O menino Ygor a observa e fica parado ouvindo a música, como se compreendesse as letras que tanto têm em comum com a situação dele. Tal qual à de Lila, que também sente falta do amor da mãe. A câmera permanece fixa durante um longo tempo, agora induzindo o espectador a se deixar contaminar pelo sentimento de empatia.
Regina e Ygor
O que marca a transição da personagem Regina é a jornada que ela inicia para se livrar do “problema” Ygor. Como a Isadora de Fernanda Montenegro em Central do Brasil (1998), ela vai para um lugar remoto com o menino. Dessa forma, conhece a dura realidade da vida dele, se sensibiliza e nasce assim a vontade de ajudá-lo.
Ygor, por sua vez, reconhecerá a bondade em Regina depois da triste decepção de esperar pela mãe que não aparece no encontro marcado. A revelação acontece quando ele vê Regina e a sua filha Lila dormindo juntas, carinhosamente abraçadas. O filme mostra que Ygor foi essencial para que a harmonia na relação das duas fosse reestabelecida.
Mesmo com a solução desses relacionamentos, Campo Grande é essencialmente um filme triste, que espelha uma realidade concreta sem artificialismos. Assim como os personagens, na maior parte do tempo, não há nada para maquiar os dramas dessa vida encarada com olhos deprimidos. A conclusão apresenta uma tênue esperança para as crianças reencontrarem a mãe. Porém, enquanto espectadores adultos, sabemos que esse encontro, se acontecer, não representará uma solução definitiva, pois a mãe logo sumirá novamente.
Ficha técnica:
Campo Grande (Campo Grande, 2015) Brasil/França. 108 min. Dir: Sandra Kogut. Rot: Asndra Kogut, Felipe Sholl. Elenco: Carla Ribas, Julia Bernat, Ygor Manoel, Rayane do Amaral, Mary de Paula, Marcio Vito.