O filme Cara de Fogo (1958) herda a proposta da Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949-1954) de realizar filmes brasileiros de gênero. Adaptando o livro “A Carantonha”, de Afonso Schimidt, o longa chama a atenção por adentrar o terror, o que era raro até então no cinema nacional. Porém, a tentativa de abarcar outros gêneros também, como o faroeste, o musical e a comédia, enfraquece o projeto.
Este é o único filme que o ator, roteirista e produtor Galileu Garcia dirigiu. Mas, sua experiência anterior como assistente de direção lhe proporcionou a competência necessária para assumir a função. O prólogo, por sinal, comprova isso. Sem usar diálogos, Garcia abre a cena com um plano geral da Estação da Luz, na capital paulista, para depois mostrar o protagonista Luis (Alberto Ruschel), acompanhado da esposa Mariana (Lucy Reis) e do filho Pedrinho (Jose de Jesús), gastando o pouco dinheiro que lhe resta para comprar passagens de trem. A música triste marca a desolação dessa partida.
A escolha do trem como meio de transporte provoca hoje uma sensação de estrangeirismo, já que as viagens ferroviárias de passageiros no Brasil praticamente deixaram de existir, substituídas pela alternativa menos eficiente dos ônibus. Sintomaticamente, esse detalhe acaba se alinhando com o sonho de termos uma Hollywood brasileira, como era almejado nos anos 1950.
Fim de mundo
O trem leva a família para uma pequena cidade chamada Monjolo (fictícia, sendo que as filmagens aconteceram em São José dos Campos, SP). Os primeiros diálogos estabelecem o que o prólogo não detalhou, mas que estava subentendido: Luis não deu certo nos trabalhos na capital, e agora tenta nova sorte no interior. O que os atrai para esse “fim de mundo” (como diz Mariana) é a necessidade de mão-de-obra para construção de uma usina hidrelétrica na região. Mas, atiçados pelo acaso, e entusiasmados pelo bom pressentimento, acabam arrendando o sítio do amistoso dono de uma mercearia da cidade. O alerta do proprietário a respeito de o sítio ser mal-assombrado não desanima os recém-chegados.
O perigo mais concreto consiste na ameaça do agressivo capataz da fazenda vizinha. Na verdade, esse homem e sua gangue querem afugentar os vizinhos porque precisam transportar o gado que roubaram e que mantêm escondido. Resultam daí as características do faroeste (de fato, os personagens usam cavalos para locomoção e armas de fogo para se protegerem) e do terror, pois uma cabeça sem corpo e em fogo aparece em duas cenas noturnas.
Leveza
Um personagem, aparentemente sem importância, Pachola (Gilberto Chagas), faz as vezes do alívio cômico. Um matuto que transporta coisas (e animais) da cidade para as fazendas, ele logo conquista a família recém-chegada com seu bom humor e sua cantoria. Não parece, mas é ele quem acaba fazendo as vezes da femme fatale deste filme, e não a sedutora Rosalina (Ana Maria Nabuco), esposa do capataz vizinho, contrariando as suspeitas mais óbvias. Rosalina, por sinal, também protagoniza um número musical no longa.
Outros momentos leves incluem as aventuras do menino Pedrinho, que perambula sozinho pelos terrenos, não só os pertencentes ao sítio arrendado, mas também do perigoso vizinho. Coloca-se, assim, em risco, o que rende algumas pitadas de suspense. Mas, a resolução acaba parecendo os simplórios desfechos das aventuras do Scooby-Doo.
Por tudo isso, Cara de Fogo soa como uma aventura juvenil para o público de hoje. Bem divertida ainda, diga-se de passagem. Para o espectador mais velho, fica a nostalgia pelo cenário do campo, e pelo saudoso sonho de uma industrialização do cinema brasileiro.
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Ficha técnica:
Cara de Fogo | 1958 | 80 min. | Brasil | Direção: Galileu Garcia | Roteiro: Galileu Garcia | Elenco: Alberto Ruschel, Lucy Reis, Ana Maria Nabuco, Gilberto Chagas, Eugenio Kusnet, Milton Ribeiro, Jose de Jesús.
Distribuição: Ubayara Filmes.