Em Casa Grande, o cinema brasileiro se volta para os dramas da classe alta afetada pela crise econômica.
A história
Hugo Cavalcanti é um executivo de banco desempregado, com dificuldades para se recolocar. Mora numa casa grande e luxuosa, mas não consegue sustentar mais seus três empregados. Logo, o primeiro a ser dispensado é o motorista Severino. A partir de então, Jean, o filho de 17 anos, precisa ir para a escola de ônibus, pela primeira vez na vida.
Enquanto isso, o pai confia que o filho entrará nas melhores universidades, pois o rapaz está acima da média por frequentar o ensino privado, ainda mais com as notas que consegue. Ele não desconfia, mas ele se destaca porque cola nas provas. E não percebe que ele é muito mais talentoso na música do que nos números.
Aparências
Mas, atrás das aparências, a família Cavalcanti é disfuncional. Nesse sentido, Jean sofre as pressões do pai para ter uma carreira de sucesso, por isso declara que, além da faculdade de Comunicação, seu objetivo sincero, ele também cursará Direito e Economia. Adicionalmente, a tradição patriarcal de Hugo afeta a esposa Sônia e a filha Nathalie. A sua mulher vive como uma madame – dona de casa com duas empregadas em casa, dá aulas de francês para uma amiga e, com a crise, tentará vender perfumaria. Já a caçula Nathalie nem é ouvida pelo pai, e só consegue provar seu valor quando desmascara um golpe de sequestro que os pais haviam engolido.
Essencialmente, o foco maior do filme recai sobre Jean, no amadurecimento que acompanha seu gradual afastamento da bolha de proteção e controle da família. Além de começar a usar o transporte público, inicia um namoro com uma menina de classe inferior. Ao invés dos pais, busca a empregada Rita para conforto emocional e Severino para conselhos de como chegar numa mulher. Assim, é a eles que ele recorre na sua maior crise existencial, no final de Casa Grande.
Falência
Os pais escondem dos filhos a situação de falência. E o diretor Fellipe Barbosa, que depois faria Gabriel e a Montanha (2017), acerta ao refletir essa aparente estabilidade dos Cavalcanti com planos onde a câmera permanece fixa ou com movimentos suaves. Alternativamente, a câmera ganha maior mobilidade em momentos de alta tensão emocional. Por exemplo, quando Jean tem um embate com o pai e no zoom na sala do exame vestibular.
Enfim, Casa Grande se destaca por apresentar o ponto de vista da classe alta sobre o cenário urbano do Rio de Janeiro. Nesse contexto, Jean e seu pai demonstram o medo deles quando o garoto vai para a escola de ônibus pela primeira vez, receando ser assaltados. Além disso, a neurose da violência também é explorada nos falsos sequestros, onde bandidos se aproveitam desse constante receio para subtrair dinheiro. Juntamente com a violência, o filme também mostra a desigualdade de ideias, evidente no churrasco onde a namorada de Jean discute com Hugo e seu amigo sobre a lei das cotas no ensino público.
Adaptação
Quando Jean procura numa favela os ex-empregados da casa, por quem ele tem a mais sincera afeição, ele demonstra que está preparado para a nova situação que sua família assumirá devido à crise. Afinal, a casa grande inevitavelmente deixará de ser propriedade dos Cavalcanti. Com tudo isso, o padrão de vida será mais simples. Caberá, então, aos pais também se transformarem para essa adaptação, num processo que demandará algum sofrimento, como aconteceu com Jean.
Por fim, o filme conta com atuações marcantes, que demonstram emoção genuína, principalmente por parte de Thales Cavalcanti no papel de Jean. Ao lado das locações autênticas da paisagem carioca, tudo isso torna Casa Grande um recorte forte desse drama vivenciado por uma pequena parcela da sociedade.
Ficha técnica:
Casa Grande (Casa Grande, 2014) Brasil. 115 min. Dir: Fellipe Barbosa. Rot: Fellipe Barbosa, Karen Sztajnberg. Elenco: Marcello Novaes, Suzana Pires, Thales Cavalcanti, Clarissa Pinheiro, Marília Coelho, Gentil Cordeiro, Bruna Amaya, Georgiana Góes, Alice Melo, Sandro Rocha.