David Lynch faleceu em 15 de janeiro de 2025. Mas, lançou seu último longa, Império dos Sonhos (Inland Empire) em 2006, o que explica o fato de o público médio mais jovem não conhecer os seus trabalhos. A sua morte, então, vem a servir de gancho para preencher essa lacuna cultural (e cinéfila, em alguns casos). O relançamento nos cinemas de Cidade dos Sonhos (Mulholand Drive), sua obra-prima de 2001, em versão restaurada em 4K, impulsiona esse prazeroso resgate de seu legado.
No caso de Lynch, ler sobre o seu cinema extremamente autoral antes de assistir aos seus filmes enriquece a experiência. Saber que o onírico caracteriza a sua obra (como anuncia os dois títulos nacionais citados) prepara o espectador médio para o que esperar, evitando, assim, uma rejeição de imediato diante do diferente. Mas, ainda assim a sensação de perder o chão prevalece. O público cinéfilo se lembra do surrealismo de Luis Buñuel, no entanto, Lynch se fixa mais em entrelaçar o universo dos sonhos com a narrativa.
Cidade dos Sonhos se encaixa perfeitamente nesse exercício. A trama acompanha Betty Elms (Naomi Watts), aspirante a atriz recém-chegada a Los Angeles, que banca a detetive para desvendar os mistérios que envolvem Rita (Laura Harring), uma mulher que perde a memória após um acidente de carro. Enquanto se envolvem em situações cada vez mais perigosas, várias situações paralelas acontecem, algumas aparentemente sem ligação com a história das duas moças. Personagens bizarros e assustadores povoam esse universo, remetendo aos de outros filmes de Lynch, bem como da sua série Twin Peaks.
Labirinto de ilusões
O enredo labiríntico nunca perde o espectador, sempre ansioso por desvendar o motivo de Rita estar em perigo. E isso acontece mesmo com várias cenas doidas – que Lynch filma empregando recursos para que assim pareçam. A estranheza se alinha com o assustador quando entra a trilha musical de Angelo Badalamenti. Algumas sequências, apesar de ligadas à narrativa, são uma crítica ácida a Hollywood e sua fábrica de ilusões. Quando, enfim, a parte final entra com sua sombria conclusão, as explicações satisfazem até os ávidos por verossimilhança. Afinal, elas se apoiam no que todos admitem pertencer aos sonhos (e muitos já viveram uma ou outra experiência semelhante ao que Lynch apresenta).
Assim, Cidade dos Sonhos investe nas associações de ideias que inserem pessoas conhecidas (às vezes só de vista) ou objetos em situações inusitadas. Por exemplo, a mulher que se apresenta como a zeladora do condomínio, na verdade, é a mãe de um dos persoangens. A bolsa cheia de dinheiro de Rita pertence a outrem. Lynch eleva esse jogo ao máximo da complexidade, mas sem cair no absurdo. Dessa forma, mergulha o espectador num pesadelo que só não é mais sombrio do que a própria realidade.
O filme Cidade dos Sonhos retorna aos cinemas restaurado em 4K em 17 de abril de 2025, com pré-estreias no dia 12 de abril, sábado, em 14 cidades e 20 salas de cinema ao redor do Brasil (confira a sua programação local).
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Ficha técnica:
Cidade dos Sonhos | Mulholland Drive | 2001 | 147 min. | EUA | Direção: David Lynch | Roteiro: David Lynch | Elenco: Naomi Watts, Laura Harring, Ann Miller, Jeanne Bates, Robert Forster, Brent Briscoe, Justin Theroux, Michael J. Anderson, Billy Ray Cyrus, Lori Heuring, Katharine Towne.
Distribuição (4K): Retrato Filmes.