Cinzas (Sholay), de Ramesh Sippy, resgata o cinemão popular indiano. Lançado durante o período da Emergência no país, quando Indira Ghandi destituiu o Congresso Nacional e governou como uma quase ditadura entre junho de 1975 e março de 1977, o filme é um dos maiores campeões de bilheteria até hoje. Chegou a ficar em cartaz por cinco anos no Minerva Theatre em Bombaim! O segredo do sucesso: era a válvula de escape que a população precisava nesses tempos tumultuados.
Curry western
Inusitadamente, Cinzas reconstitui o faroeste em terras indianas. Repete, assim, o spaguetti western que a Itália produzia. Aliás, é mais do que evidente que a principal inspiração foi Era Uma Vez no Oeste (C’era una volta il West, 1968), de Sergio Leone. Basta ver a sequência na qual o vilão Gabbar (Amjad Khan) e sua quadrilha matam a família de Thakur (Sanjeev Kumar), inclusive uma criança, como fez o personagem de Henry Fonda nesse clássico italiano. Se não bastasse, aqui um dos protagonistas toca harmônica, como o vingativo Charles Bronson no longa de Leone. Além disso, os flashbacks que explicam o motivo dessa sede justiceira se equivalem nas duas obras. Esse tipo de adaptação também ganhou um apelido, o curry western, mas acabou não vingando.
Mas, dentro do espírito “masala” do cinema indiano, Cinzas transita entre vários sabores, ou melhor, emoções durante sua trama. Assim, tem muita comédia e uma amizade forte entre os heróis protagonistas. Dentro da seara do spaguetti western, a química humorística se assemelha aos filmes com Bud Spencer e Terence Hill, embora os roteiristas confessem que se basearam no buddy movie Butch Cassidy (Butch Cassidy and the Sundance Kid, 1969), de George Roy Hill. Mas a dupla indiana, Veeru (Dharmendra) e Jai (Amitabh Bachchan), se conecta mais intimamente, como num bromance. O número musical dos dois na moto exagera essa relação para ser propositalmente engraçado.
Entretenimento puro
A trama se desenrola, de fato, como num faroeste. Começa com um assalto a trem, e um homem da lei, agora aposentado, contrata dois pistoleiros profissionais para livrar a sua vila do malfeitor e para saciar uma antiga vingança. Mas, como se trata de um cinema indiano popular, não faltam os vários e longos números musicais, bem executados e que dão esse tempero típico à obra. Por fim, o duelo é bizarro – lembra até aquela cena do guerreiro que vai perdendo seus membros e insiste em continuar lutando, no filme Monty Python em Busca do Cálice Sagrado (Monty Python and the Holy Grail, 1975), lançado no mesmo ano. Para esse duelo final ficar perfeito faltou apenas um toque de artes marciais para tornar os golpes com as pernas mais factíveis.
O drama no filme guarda emoções imprevisíveis. Há espaço, também, para o romance – os dois protagonistas tentam conquistar suas respectivas mulheres. Sobre a comédia, ela se aproxima da farsa, até mesmo com um diretor de penitenciária fazendo as vezes de um Hitler paspalhão. As briguinhas entre os dois amigos estão no nível dos melhores filmes dos nossos Trapalhões.
O filme é longuíssimo, tem mais de três horas de duração, mas tão divertido que parece passar muito rápido. Não importa que a direção não seja um primor – no máximo protocolar, tendo alguns deslizes, porém é inegável o capricho em cenas difíceis de filmar. Cinzas equivale a entretenimento puro!
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Ficha técnica:
Cinzas | Sholay | 1975 | 199 min | Índia | Direção: Ramesh Sippy | Roteiro: Javed Akhtar, Salim Khan | Elenco: Sanjeev Kumar, Dharmendra, Amitabh Bachchan, Amjad Khan, Hema Malini, Jaya Bachchan, A.K. Hangal, Satyendra Kapoor.