Em Cléo das 5 às 7, a diretora Agnès Varda retrata o amadurecimento que permite uma pessoa encarar a vida com coragem e esperança. Isso acontece dentro do período das 17h e 19h, como indica o seu título, praticamente a total duração do filme.
Cléo às 5
Cléo é uma bela cantora que aguarda o resultado de um exame médico que revelará se ela está com câncer ou não. Nos créditos iniciais, único trecho em cores do filme, Cléo está no apartamento de uma cartomante, que não lhe dá boas notícias sobre sua angústia. Então, ela sai devastada, desce os vários lances da escada até o térreo. Mas, antes de sair para a rua, ela vê seu reflexo no espelho, prepara um sorriso, e sai com essa expressão de felicidade postiça.
Essa parte inicial já revela como é a Cléo agora, superficial, supersticiosa e artificial. E essas características são reforçadas pelas pessoas mais próximas com quem ela convive. Nesses sentidos, sua assistente Angèle é movida por crendices e trata Cléo como se fosse uma criança. Juntas, compram um chapéu novo, tomam um café, e quando a cantora chora, ela se preocupa em arrumar o cabelo e o vestido. Para Cléo, sua aparência é a prioridade.
Cléo em transformação
Adicionalmente, o namorado José aprecia a beleza de sua amada, mas nem se interessa pelo sentimento dela em relação à possível doença. Além disso, os compositores (o pianista é o próprio Michel Legrand, compositor da trilha do filme) que preparam um novo repertório para Cléo fazem graça e apresentam canções que não a agradam. Até que uma canção triste, “Sans Toi”, a sensibiliza e dá início a sua transformação. Nessa cena, a protagonista olha diretamente para a câmera enquanto canta. É como que para suplicar ao espectador que compreenda que ela realmente se sente angustiada, uma empatia que a assistente, o namorado e os compositores lhe negam. Ela então coloca um vestido negro, que combina com seu sentimento, e retira a sua peruca. E sai do seu apartamento, sozinha, sem depender de ninguém.
Cléo agora começa a deixar de ser uma criança, longe do cuidado maternal de Angèle, da insensibilidade adulta de José, e das brincadeiras tolas dos compositores. Ela se afasta, também, de seu apartamento, onde, emblematicamente, mantém até um balanço, símbolo de sua infantilidade.
Dorothée
E contribui para sua virada o encontro com a sua amiga Dorothée. Quando a encontra, Dorothée está completamente nua, posando para artistas pintores e escultores. Ou seja, a amiga não sobrevaloriza sua beleza, é suficientemente autônoma para dirigir seu próprio carro, encontra o namorado Raul, projecionista de cinema, e, é feliz. Durante o encontro, a bolsa de Dorothée cai no chão e seu espelho se quebra. Quando caminham na rua, um acidente revela outro espelho quebrado. A metáfora é clara: Cléo se livra de sua obsessão pela sua aparência. No taxi, no espelho retrovisor ela não vê sua imagem, mas a do motorista.
No parque, ela está mais leve, desce uma escadaria cantando, o oposto do comportamento quando desceu as escadas do prédio da cartomante no início do filme. Quando para, olha para uma queda d’água, uma representação simbolicamente oposta à do reflexo estático de um espelho. Afinal, a água corrente não permite a formação do reflexo. E Cléo não vai mais ficar passiva, contemplando sua beleza. Ela passa a agir ativamente, conhece Antoine no parque e, juntos, vão ao hospital obter o resultado do exame diretamente do médico.
Então, Cléo começa a destruir o que é superficial em si mesma. Um pouco antes, deu seu chapéu novo para a amiga e já havia tirado a peruca. Para Antoine, revela que seu nome não é Cléo, mas Florence.
Cléo às 7
Assim, quando encontram o médico e ele confirma que ela necessita se tratar para curar o câncer que foi confirmado, Cléo encara com coragem e esperança. Adicionalmente, troca olhares com Antoine, que também enfrentará a possibilidade da morte, porque está indo para a guerra. E ambos acreditam que o futuro será bom. Agora, a transformada Cléo amadureceu. Enfim, ela age como uma adulta.
Dessa forma, Cléo das 5 às 7 acompanha a hora e meia que foi crucial para a vida da protagonista. Segmentado em capítulos curtos, que não interferem na continuidade da narrativa, a obra-prima da cineasta Agnès Varda é genial na sua estrutura e no seu conteúdo.
Ficha técnica:
Cléo das 5 às 7 (Cléo de 5 à 7, 1962) França/Itália. 90 min. Dir/Rot: Agnès Varda. Elenco: Corinne Marchand, Antoine Bourseiller, Dominique Davray, Dorothée Blanck, Michel Legrand, José Luis de Villalonga, Loye Payen.