Como Agarrar um Milionário (How to Marry a Millionaire) é um típico filme de estúdio. Produzido pela 20th Century Fox, seu principal argumento de divulgação não foi o trio de estrelas Marilyn Monroe, Lauren Bacall e Betty Grable, mas o sistema de exibição em CinemaScope. Isso fica evidente nos trailers da época e, também, na primeira cena. As cortinas se abrem lateralmente, para revelar a dimensão lateral do scope e, assim, impressionar os espectadores dentro do cinema. Segue-se, então, algo que soa inconcebível nos tempos apressados de hoje: o condutor Alfred Newman apresenta integralmente a sua composição “Street Scene” com sua numerosa orquestra, valorizando, igualmente, o som estereofônico, outra novidade tecnológica.
Na prática, o CinemaScope pouco influencia o resultado final desse filme. Com exceção dessa abertura e a sequência seguinte que explora as grandes dimensões da cidade de Nova York, a tela larga não faz diferença nesse gênero cinematográfico, pelo menos não na maneira como Jean Negulesco dirige essa comédia. Afinal, a maior parte das cenas acontece em ambientes internos, sem que os personagens se posicionem nas extremidades da tela para aproveitar o formato. O som estereofônico, se você assistir ao filme com um fone de ouvido, causa estranheza, porque as vozes alternam entre o lado direito e o esquerdo conforme a movimentação dos atores.
Metalinguagem e o tom farsesco
Esses recursos tecnológicos, inovadores na época, reforçam o tom farsesco de Como Agarrar um Milionário. Ajudam a evidenciar ao espectador que ele assiste a um filme. E isso se conecta com a metalinguagem que permeia o enredo. Além da orquestra que abre o longa-metragem, há referências à vida real das estrelas nos diálogos. Por exemplo, quando a personagem de Marilyn Monroe é apresentada com a frase “Diamonds are a girl’s best friend”, canção do filme Os Homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes, 1953), protagonizado pela atriz. Da mesma forma, quando a personagem de Lauren Bacall justifica que gosta de homens velhos se referindo ao ator de Uma Aventura na África (The African Queen, 1951). O ator é Humphrey Bogart, seu marido na vida real.
E é com esse tom de farsa que devemos apreciar Como Agarrar um Milionário, pois a trama é um tanto tola. A princípio, pode soar como uma vingança possível das mulheres, que tiram vantagem do sistema patriarcal da época. Mas, o filme passa longe de ser uma crítica social. De qualquer forma, chama a atenção que a personagem de Lauren Bacall exija que o corretor de imóveis deixe a porta aberta enquanto ele mostra para ela um apartamento sem mais ninguém presente – seria uma proteção contra o assédio sexual? Se fosse um filme contemporâneo, certamente sim. Porém, para aquela época, se foi isso, é um precedente do “metoo”, o protesto das mulheres da indústria contra os abusos que sofrem.
Mediano, mas tem Marilyn
Na trama, Schatze Page (Lauren Bacall) é a cabeça de um plano para fisgar um marido milionário. Page se une a Pola Debevoise (Marilyn Monroe) e Loco Dempsey (Betty Grable) para alugar um apartamento chique e atrair os pretendentes. Porém, as coisas não se desenrolam tão facilmente. Nesse ponto, o roteiro acerta ao não sincronizar os altos e baixos de cada uma delas, evitando que isso deixe tudo previsível demais. Mas, previsível o filme ainda é, afinal reforça a mensagem de que o amor é mais importante que o dinheiro.
Em relação à comédia, o destaque é Marilyn Monroe como uma míope que se recusa a usar seus óculos para não ficar feia. Segundo Pola, os homens não gostam de mulheres com óculos. Outro bom momento, ainda que ingênuo, é a sequência de sonhos das três interesseiras – quando chega a vez de Loco, ela pensa apenas num sanduíche.
As personalidades das protagonistas são distintas, mas sem entrar em estereótipos. Shatze tenta se guiar somente pela razão, mas o seu coração a atrapalha. Pola, como a própria Marilyn, age como se não soubesse que é uma beldade. E, por fim, Loco nunca esconde que é interesseira.
Mas Como Agarrar um Milionário é um filme mediano. Seu humor não é tão afiado, exceto nas citadas referências metalinguísticas. Além disso, o romance fica em segundo lugar, atrás do foco na comédia. Pelo menos, Jean Negulesco trabalha bem as elipses, assim eliminando cenas dispensáveis e permitindo que o público deduza o que acontece na narrativa. No final das contas, é mesmo Marilyn Monroe que eleva o filme.
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Ficha técnica:
Como Agarrar um Milionário | How to Marry a Millionaire | 1953 | 96 min | EUA | Direção: Jean Negulesco | Roteiro: Nunnally Johnson | Elenco: Marilyn Monroe, Lauren Bacall, Betty Grable, David Wayne, Rory Calhoun, Cameron Mitchell, Alexander D’Arcy, Fred Clark, William Powell.