A ousadia de Como Seria se…? (Look Both Ways) pode soar datada. Afinal, em época em que o multiverso invade as telas, mostrar duas realidades alternativas parece fichinha. Mas, novidade não é ingrediente essencial, e muito menos garantia, para se construir um bom filme. A diretora queniana Wanuri Kahiu comprova isso em sua estreia na indústria norte-americana, após encantar o público com Rafiki (2018), seu longa anterior rodado em seu país de origem. Ela tira de letra o desafio de mostrar duas situações alternativas em narrativa paralela, seguindo o primeiro roteiro escrito por April Prosser, sem que o filme fique confuso, ou mesmo chato.
Na trama, Natalie (Lili Reinhart, da série Riverdale) e Gabe (Danny Ramirez) são melhores amigos se graduando na University of Texas. Para selarem o fim da vida universitária, resolvem fazer uma loucura, inédita entre eles: um sexo casual sem maiores consequências. Então, surge o evento que dividirá duas possibilidades de futuro para Natalie. Numa delas, ela descobre que está grávida de Gabe. Na outra, ela não está grávida, e pode seguir com seu plano de cinco anos, que envolve se mudar com a amiga para Los Angeles e tentar a carreira como desenhista de animação.
As duas vidas de Natalie
O filme acerta ao mostrar a passagem do tempo (não só meses, mas cinco anos), pausando nos momentos dramáticos que revelam o que está acontecendo com a protagonista em cada vida alternativa. Porém, na primeira parte, pesa a mão nos aspectos negativos da gravidez confirmada (a crise por voltar a morar com os pais, o cancelamento dos planos profissionais etc.). Enquanto isso, tudo parece dar certo na outra vida. Ela consegue um emprego junto à artista que admira, começa um namoro promissor etc. Até então, Como Seria se…? parece antiquado e, até inverídico, como se a gravidez fosse um pesadelo e a o início de uma carreira sozinha fosse um sonho.
Ainda bem que, a partir da segunda parte, o filme equilibra as situações. Com isso, a narrativa ganha força e derruba o determinismo opressor que dominava a história até então. E, assim, se aproxima da realidade, mostrando que as alegrias e as tristezas estão nesses dois caminhos alternativos. Ou seja, a gravidez não-desejada não determina as vitórias e as derrotas do futuro de Natalie. Como nos típicos filmes de Frank Capra, a mensagem por trás da trama é que a vida vale a pena. Os altos e baixos sempre existem e levam ao amadurecimento, o suficiente para que as duas versões de Natalie concluam que ela está “ok”.
Sem causa e efeito
O enredo não foca na neura da causa e efeito que dominam filmes sobre futuros alternativos como De Volta Para o Futuro (Back to the Future, 1985) ou Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993). Mesmo assim, não comete erros em relação a confundir as duas realidades. Arrisca só em um momento, que parece errado, quando a Natalie da alternativa grávida encontra o rapaz que é seu namorado na outra vida. Essa cena poderia existir, mas evitando que ele pagasse uma rodada de bebida para Natalie e sua amiga, pois isso indica que eles poderiam ter desenvolvido um relacionamento, e isso não se encaixaria na trama.
Voltando à neura da causa e efeito, o filme prefere até ir contra a ideia de ter tudo planejado (o “the 5-year plan” da protagonista), pois defende que isso acaba gerando frustrações desnecessárias. O lema do filme é viver a vida e não se martirizar. E o tom solar (“sun” está até na letra da canção tema “We Are Young”) reforça o poder antidepressivo de Como Seria se…?, uma bela estreia na indústria estadunidense de uma diretora com raro talento para o sentimentalismo.
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Ficha técnica:
Como Seria se…? | Look Both Ways | 2022 | 1h50 | EUA | Direção: Wanuri Kahiu | Roteiro: April Prosser | Elenco: Lili Reinhart, Danny Ramirez, David Corenswet, Aisha Dee, Andrea Savage, Luke Wilson, Nia Long, Sarah J. Bartholomew, Sahara Ale, Amanda Knapic, Amanda Grace Jenkins.
Distribuição: Netflix.