Poster de "Conto de Fadas"
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Conto de Fadas | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
8/10

8/10

Crítica | Ficha técnica

Numa mente imaginativa em um nível doentio (deliciosamente doentio, para alguns, terrivelmente, para outros), é criada uma fantasia em que Jesus Cristo, Napoleão Bonaparte, Josef Stalin, Winston Churchill, Adolf Hitler e Benito Mussollini se encontram e filosofam a respeito de coisas sérias, mas também de coisas banais, cada um em seu próprio idioma, em meio a belezas arquitetônicas, fenômenos meteorológicos, massas disformes (o povo sendo moldado?) ou brumas, numa espécie de outra dimensão, onde aparecem também irmãos, ou sósias, dessas personalidades.

Essa mente é a do cineasta russo Alexander Sokurov e o filme, intitulado Skazka, circulou em 2022 e 2023 com o título internacional Fairytale. No Brasil, passou na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (apelidada carinhosamente de Mostra SP), na edição de 2022, com o título Conto de Fadas.

Duas matrizes se juntam neste filme: a primeira é a do animador checo Karel Zeman, que costumava misturar live action com animação em efeitos plasticamente belíssimos, com destaque para sua obra-prima O Barão Fanfarrão (1962). A segunda é a da tetralogia do poder realizada pelo próprio Sokurov, um conjunto bem irregular, podendo sair do quase sublime Moloch (1999) ao constrangedor Taurus (2001), passando pelos interessantes O Sol (2005) e Fausto (2011).

Sokurov manipula digitalmente imagens de arquivo, e o faz não para simular uma realidade, mas para falseá-la, torná-la difusa. Estamos claramente num limbo de gravura em carvão em que essas figuras podem se comunicar umas com as outras em meio a obras de arte. E se comunicam dizendo seus discursos famosos, ou variações deles. As imagens, afinal, alcançam uma beleza difícil de ser definida. E o trabalho sonoro é bem estranho, casando bem com a imagem. Um filme possível, realizado durante a pandemia.

Quando a Mostra SP, em 2002, trouxe Sokurov ao Brasil para uma retrospectiva bem generosa de sua obra, o cineasta foi apresentado como um gênio, algo que claramente ele nunca foi. Isto causou um efeito contrário de parte da cinefilia jovem que procurou seus filmes. Reagiram a eles com uma dureza desproporcional, ignorando as inúmeras qualidades de filmes como Páginas Ocultas (1993) e Mãe e Filho (1997) – a meu ver, seus melhores. Parte dessa má vontade resiste até hoje, misturando-se às incompatibilidades naturais da cinefilia.

Alguns podem se incomodar com os diálogos simplórios, que parecem extraídos de livros didáticos de história. Mas penso estar aí boa parte da graça de Conto de Fadas: trabalhar com o chavão de cada personalidade, imaginando cruzamentos diferentes para suas falas, reações que poderiam ter às falas dos outros poderosos que os rodeiam. Os chavões introduzem o patético, num exercício de irreverência típico de Sokurov.

O cinema pode ser a arte da manipulação e do artificial. É salutar, por isso, que um cineasta abandone qualquer noção contemporânea de realismo em favor de uma especulação sem vergonha, um humor jocoso, uma explosão de ideias que não visam uma amarração, nem um sentido mal ou bem definido. É tudo divagação, um jogo com personagens históricos, um desrespeito, segundo alguns, mas um desrespeito inventivo e muito bem-vindo.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Conto de Fadas | Skazka | 2022 | 78 min | Rússia, Bélgica | Direção: Alexandr Sokurov | Roteiro: Alexandr Sokurov.

Onde assistir:
Churchill, Hitler, Mussolini e Stalin em cena do filme "Conto de Fadas"
Churchill, Hitler, Mussolini e Stalin em cena do filme "Conto de Fadas"
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