“Corações Desesperados” é um pesado drama psicológico, centrado na perturbada personagem Maria, interpretada por Melina Mercouri. A atriz grega era casada com o diretor Jules Dassin, com quem formou uma parceria constante nos cinemas que rendeu filmes famosos como “Nunca Aos Domingos” (Pote tin Kyriaki, 1960).
No filme, Maria é casada com Paul (Peter Finch) e eles têm uma filha ainda criança. O filme começa quando os três estão num carro, acompanhados de Claire (Romy Schneider), amiga de Maria, em meio a uma forte tempestade quando se aproximam da cidade histórica de Segóvia, na Espanha. Lá ocorre um crime passional: um marido traído, Rodrigo Palestra (Julián Mateos), assassina sua mulher e seu amante. Por isso, a polícia vigia a cidade, mas é a tempestade que força o grupo a passarem a noite, improvisadamente, nos corredores de um hotel.
Claire foi convidada para a viagem por Maria, porque essa sabe que sua amiga é amante de seu marido, e quer ter certeza do adultério. Outro motivo de sua presença é sua crença que esse caso extraconjugal poderá recuperar sua vontade de fazer sexo com Paul. As amarguras vividas por Maria, porém, a tornaram uma alcoólatra, e sua constante embriaguez afeta seu comportamento. Muito do que o espectador vê nas telas provém do juízo dela perante os fatos que ela vivencia.
À beira do colapso
A ambientação de “Corações Desesperados” incorpora o estado à beira de um colapso de Maria. Assim, a fotografia exibe com cores fortes as ruas de pedra da cidade medieval de Segóvia, que se parecem com um labirinto à medida que a embriagada personagem caminha em busca de um local para beber mais. A câmera insiste em usar close-ups extremos para enfatizar que o filme é sobre os personagens, na verdade, sobre Maria.
De fato, duas sequências são essenciais para expor a protagonista.
Na primeira, Maria coloca sua filha para dormir no corredor do hotel. Então, aproveita uma pequena sacada para beber uma garrafa de vinho que furtou de um dos hóspedes, enquanto observa as ruas e casas da antiga cidade. Quando ela avista o assassino que se esconde entre os telhados, observa de longe, também, seu marido e Claire se beijando entusiasticamente, em outra sacada do hotel. Sentindo na pele o drama passado por Rodrigo Palestra, ela se simpatiza com o fugitivo, e o ajuda a sair da cidade. Jules Dassin filma com a câmera na mão essa cena da escapada, com ponto de vista subjetivo, recurso posteriormente muito utilizado nos filmes de terror dos anos 1970 e 1980.
A outra sequência essencial coloca Maria, totalmente grogue, no pátio de um hotel a caminho de Madri. Enquanto ela está deitada, aparentemente adormecida, Claire e Paul sobem para o quarto para transar. O ato sexual aparece nas telas com superposição de imagens dos amantes e de Maria, com sua voz em off revelando seus pensamentos desnorteados, mas repletos de sinceridade.
Fora dos trilhos
O filme termina em Madri, porém sem definir o destino dos personagens. Maria desaparece, talvez como em Segóvia para buscar um local para beber, ou tenha sucumbido à sua dependência. Qualquer conjectura tem espaço, porque Maria já saiu dos trilhos. Voltar ao eixo é a única possibilidade que não cabe neste desfecho, diante das imagens de desequilíbrio que Dassin apresentou nas telas.
Ficha técnica:
Corações Desesperados (10:30 P.M. Summer, 1966) 85 min. Dir: Jules Dassin. Rot: Jules Dassin, Marguerite Duras. Com Melina Mercouri, Romy Schneider, Peter Finch, Julián Mateos, Isabel María Pérez, Beatriz Savón, Tota Alba, Juan Estelrich.
Assista: entrevista com Melina Mercouri