Corrida Sem Fim é um dos exemplos de filme de contracultura produzidos no fim dos anos 1960 e início dos 1970, ciclo que ficou conhecido como Cinema da Nova Hollywood.
Como as outras produções do ciclo, Corrida Sem Fim revela o clima da época. O otimismo da geração flower power deu lugar à desesperança que surgiu após a entrada na Guerra do Vietnã e da Coreia e os assassinatos de líderes políticos como John Kennedy e Martin Luther King. Tal qual vimos em Sem Destino (Easy Rider, 1969), os hippies são mal vistos por boa parte da população dos Estados Unidos. A liberdade que buscavam nas manifestações públicas agora é perseguida no sentimento de liberdade proporcionado pelas longas viagens pelas estradas americanas. Daí o surgimento dos road movies.
Hippies sem esperança
Os protagonistas de Corrida Sem Fim se encaixam nesse perfil de hippies sem esperança. A representatividade deles é expandida pela opção de não colocar nomes neles. O cantor de folk e country James Taylor vive o motorista e Dennis Wilson o mecânico que o acompanha em suas andanças de cidade em cidade dentro do carro envenenado que eles modificaram. Eles não têm um emprego formal, ganham dinheiro disputando corrida. Em uma dessas paradas, a garota interpretada por Laurie Bird se junta a eles, sem nenhuma cerimônia. Aliás, esses três atores não possuem experiências anteriores no cinema, o que lhes garante maior legitimidade.
O único ator profissional é Warren Oates, motorista de um Pontiac GTO, produzido pela GM. Então, no filme, Oates desafia James Taylor e Dennis Wilson para uma corrida e a proposta que recebe é ousada. Quem chegar até Washington DC primeiro fica com o carro do adversário. Enfim, essa corrida seria o objetivo que sustentaria o roteiro do filme.
Tradição x contracultura
A disputa entre o carro industrializado e o modificado com as próprias mãos serve como uma metáfora do embate entre os costumes tradicionais e a contracultura. Porém, o roteiro de Rudy Wurlitzer e Will Corry não encara essa ideia de maneira simplista. Ou seja, não existe em Corrida Sem Fim aquela dicotomia presente em Sem Destino, de Dennis Hopper. Aqui os hippies não são as pobres vítimas do establishment.
Os personagens de James Taylor e Dennis Wilson não se modificam entre o começo e o fim do filme. Afinal, no final de Corrida Sem Fim, a dupla continua levando sua vida disputando corridas, sem nenhum objetivo mais concreto. Por outro lado, a ideia que a princípio temos sobre o motorista do GTO sofre uma mudança. Ou seja, Warren Oates mostra que ele não é uma pessoa adaptada e conformada com o sistema. Ele pega a estrada porque foge de problemas em sua vida familiar, e pega caronistas pelo caminho para conhecer gente nova. E, tal como seus adversários – ao mesmo tempo companheiros – de corrida, acaba por ignorar a meta de chegar ao destino.
O rodado Monte Hellman
O filme dispôs de um orçamento baixo, mas é uma produção de estúdio, da Universal. Por isso, o seu diretor é um profissional com experiência. Corrida Sem Fim é o sétimo filme de Monte Hellman. De fato, algumas cenas comprovam essa bagagem. Quando a personagem de Laurie Bird entra na estória, Hellman utiliza a profundidade de campo. James Taylor e Dennis Wilson estão numa mesa em um café de beira de estrada, e, ao fundo, vemos Bird saindo de um carro e entrando sorrateiramente no veículo da dupla. Contudo, Hellman não consegue salvar as cenas noturnas, onde não vemos quase nada além dos faróis dos carros – aí a falta de recursos foi determinante.
Por outro lado, o som foi bem trabalhado no filme. No início, em um prólogo que apresenta os personagens de James Taylor e Dennis Wilson, acompanhamos os dois disputando corridas em rachas clandestinos e fugindo quando surge a polícia. É uma situação que eles viviam repetidamente. Já de cara percebemos que o ronco dos motores ocupará o lugar da música. Na conclusão, a ausência de som convidará o espectador a refletir sobre o que está assistindo, até terminar repentinamente como a película tivesse emperrado na projeção e queimado.
Quebrando o padrão
Além disso, Corrida Sem Fim foge dos padrões da gramática cinematográfica em alguns trechos, como nesse final. Refletindo essa filosofia de vida sem objetivo, o filme apresenta também algumas sequências que parecem desconexas, como se não houvesse obrigatoriedade em mostrar a consequência causa/efeito entre as cenas. Veja, por exemplo, o trecho onde a polícia está atrás do carro de Taylor e Wilson numa pequena cidade, e a cenas seguintes não fazem qualquer referência a isso.
Apesar das restrições técnicas, Corrida Sem Fim empolga nas cenas de corrida. E expõe como era a atitude de boa parte da população dos EUA na época, já um reflexo da desilusão que os frustrou quanto aos sonhos de mudança que desejavam.
Ficha técnica:
Corrida Sem Fim (Two-Lane Blacktop, 1971) EUA. 102 min. Dir: Monte Hellman. Rot: Rudy Wurlitzer, Will Corry. Elenco: James Taylor, Warren Oates, Laurie Bird, Dennis Wilson, David Drake, Richard Ruth, Rudy Wurlitzer, Jaclyn Hellman, Bill Keller, Harry Dean Stanton.
Lançado em dvd pela Versátil Home Video no box O Cinema da Nova Hollywood