Em Creepy (2016), o diretor Kiyoshi Kurosawa parece enveredar pelos mesmos misteriosos caminhos que resultaram no ótimo A Cura (Kyua, 1997). E isso já de cara, em seu prólogo, quando o personagem principal, o detetive Takakura (Hidetoshi Nishijima) interroga um criminoso psicopata. Sua abordagem através da psicologia criminal não dá certo, e ele acaba ferido. A história retoma, então, um ano depois, quando Takahura desistiu da carreira policial para lecionar numa universidade. Quando ele e sua esposa Yasuko (Yuko Takeuchi) se mudam para uma nova casa, um ex-colega, Nogami (Masahiro Higashide) pede que Takakura examine um caso de seis anos atrás que permanece sem solução. O mistério envolve o desaparecimento de um casal e seu filho – a única que restou foi a filha, adolescente na época.
No entanto, o tom sombrio de Creepy se origina muito mais da presença do estranho vizinho da nova casa de Takahura. Às vezes simpático, às vezes agressivo, Nishino (Teruyuki Kagawa) é, logo descobrimos, um manipulador irresistível. Enquanto Takakura descobre inconsistências em sua identidade, a esposa Yasuko perigosamente se aproxima cada vez mais dele.
Seguindo a tradição de Alfred Hitchcock, nessa trama descobrimos quem é o assassino antes que o protagonista o faça. Estando à frente do mocinho, torcemos por ele, e nos arrepiamos quando ele ou a esposa ficam vulneráveis ao perigo, sem saberem. É o suspense em grande estilo, que funciona muito melhor do que os filmes de mistério (os whodunit que nos desafiam a descobrir o culpado). O vilão, além disso, é uma presença fortíssima. Nishino tem cara de poucos amigos, mas quando ele sorri e fala amistosamente parece charmoso. Essa dualidade perturbadora descamba na violência de seus ataques e no destino de suas vítimas, mortas e embaladas a vácuo em sacos plásticos.
Arrepiante
O clima se mantém sinistro durante todo o filme. Para isso, Kiyoshi Kurosawa manipula a iluminação de acordo com o tom da cena. Em certos momentos, deixa até no escuro os personagens. E, vai até além da verossimilhança quando apresenta um dos cômodos da casa de Nishino. Num horripilante corredor sujo e sem luz, atrás de uma pesada porta de ferro mais apropriada a um galpão, existe um depósito de produtos químicos com um alçapão. Para acentuar o sinistro, na primeira vez que entramos nele, vemos um cadáver embalado e uma mulher aprisionada. Já perto do final da história, há um trecho que parece mais um sonho. Estamos nos referindo ao interior do furgão com os personagens viajando por uma estrada à noite.
Esses pontos, quase fantásticos, se adequam a esse enredo assustador. Contudo, outras questões extrapolam o aceitável mesmo numa ficção destinada a provocar o público. A coincidência de o ex-detetive se instalar na casa vizinha à do culpado pelo caso que ele investiga é, claro, forçada. Porém, aceitável, pois é improvável, não impossível. Mas, precisamos de muita boa vontade para engolirmos que o vilão possui uma droga que provoca a submissão total das pessoas. Com esse artifício, ele consegue comandar os outros a agirem conforme suas ordens, inclusive para matar as vítimas. Ora, considerando o poder manipulador de Nishino, não seria mais impactante (e plausível) que ele dominasse as pessoas com sua habilidade psicológica? Saudades do Dr. Mabuse, o Jogador (Dr. Mabuse, der Spieler, 1922), de Fritz Lang.
Spoilers adiante
Por fim, o roteiro prefere não elucidar como acontece a salvação de Takakura. Será que a droga que a esposa injetou nele era falsa? Ela só fingiu injetar? Ou, talvez, matar o seu pet seja algo tão forte que o despertou da inconsciência? Enfim, o filme não responde. E, isso acaba frustrando o espectador que tentava adivinhar como o herói conseguiria sair da enrascada em que ele se metera.
Antes da conclusão final, vale destacar a presença de dois atores que, logo depois, trabalhariam ao lado do diretor japonês do momento, Ryusuke Hamaguchi. O primeiro é Hidetoshi Nishijima, protagonista aqui e, também de Drive My Car (Doraibu mai ka, 2021), que ganhou o Oscar de melhor filme internacional. O outro é Masahiro Higashide, que interpreta o jovem ex-colega de Takahura, e que faria dois papéis principais em Asako I & II.
Fechamos com a certeza de que Creepy apresenta um engajador clima sombrio, e poderia estar lado a lado com A Cura. No entanto, as falhas em sua trama e em sua conclusão insatisfatória minam suas qualidades.
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Ficha técnica:
Creepy | Kuripi: Itsuwari no rinjin | 2016 | Japão | 130 min | Direção: Kiyoshi Kurosawa | Roteiro: Chihiro Ikeda, Kiyoshi Kurosawa | Elenco: Hidetoshi Nishijima, Yuko Takeuchi, Teruyuki Kagawa, Toru Baba, Ryoko Fujino, Masahiro Higashide, Haruna Kawaguchi, Misaki Saisho.