Quarto longa-metragem do diretor iraniano Shahram Mokri, Crime Culposo é um relato ficcional do incêndio de 19 de agosto de 1978. Nessa tragédia, quatro homens incendiaram o Cinema Rex, na cidade de Abadan, matando mais de 400 pessoas que assistiam a uma projeção de “The Deer”, de Masoud Kimiai. Seis meses depois, aconteceria a Revolução Iraniana, que derrubou a monarquia autocrática e instituiu a república islâmica teocrática.
O filme começa com alguns dados sobre o incidente, o que é desnecessário, pois a ficção os revelará durante o desenrolar da trama. Por exemplo, logo na primeira cena vemos os administradores do cinema discutindo estratégias para colocar a maior quantidade possível de assentos dentro da sala de exibição, para aumentar os lucros. Em decorrência da superlotação, algumas medidas de segurança são deliberadamente deixadas de lado, como o trancamento das portas ao lado da tela.
Esses personagens retornam no filme, intercalados com outras situações. Uma delas traz os quatro homens responsáveis pelos incêndios, e como eles agem para colocar o plano deles em prática. Não há, nessas cenas, nenhuma menção sobre a motivação deles, se é política, religiosa ou mera brincadeira. Em outra situação, vemos uma moça que trabalha no marketing do cinema, trazendo cartazes das próximas atrações. Porém, a mais intrigante é a que traz um grupo preparando uma projeção de cinema na mata, não na época do incêndio, mas no contemporâneo.
Uma estrutura narrativa impossível
Enfim, essas subtramas possuem certo interesse, mas não seriam por si suficientes para engajar o público. O grande trunfo de Crime Culposo está na sua estrutura narrativa. De maneira intrigante, o filme repete as mesmas cenas em perspectiva diferente, pegando o espectador de surpresa, que percebe que já assistiu essa ação anteriormente. Conforme o enredo avança, mais o diretor Shahram Mokri faz uso desse recurso. Em certo momento, chega até a criar um looping do trecho contemporâneo, como se não mais fosse possível sair desse ciclo.
Por fim, há ainda uma grande surpresa, pois o público no cinema está assistindo na tela esse segmento contemporâneo, numa conclusão surreal totalmente inesperada. O enigma se torna mais intrigante porque vemos no céu um míssil caindo nas redondezas, que deve ser o mesmo que os personagens do contemporâneo encontram no solo sem detonar.
Em Crime Culposo, o tempo assume uma perspectiva incomum, ou melhor, impossível, como se assim o fosse relacionar o incêndio com as futuras mudanças que ocorreriam no país.
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Ficha técnica:
Crime Culposo | Jenayat-e bi deghat / Careless Crime | 2020 | Irã | 134 min | Direção: Shahram Mokri | Roteiro: Nasim Ahmadpour, Shahram Mokri | Elenco: Babak Karimi, Razie Mansori, Abolfazl Kahani, Mohammad Sareban, Adel Yaraghi, Mahmoud Behraznia, Behzad Dorani.