No filme Daphne, uma observação sem pedantismo de uma mulher de 31 anos que vive por viver na Londres suburbana.
A história
Daphne é solteira, não tem namorado, e trabalha como assistente de cozinha em um pequeno restaurante. Sem amor-próprio, nem amor pelos outros, trata mal a todos e a si mesma. Nesse sentido, seu comportamento autodestrutivo descamba em muita bebedeira, drogas e sexo sem prazer. Em suma, é tão desinteressada quanto é desinteressante.
Ao longo de alguns dias, o filme acompanha sua rotina frustrante. Enquanto afasta a possibilidade de um relacionamento potencialmente interessante e de oferecer empatia à mãe que está com câncer, ela testemunha um assassinato.
A direção
Estreando em longa-metragem de ficção, o diretor Peter Mackie Burns opta por colocar o espectador como um observador desse recorte da vida da protagonista Daphne. Afinal, o filme não recorre a artificialismos para provocar empatia pela personagem. Em outras palavras, estão ausentes recursos que trabalham para este fim, como uma narração que explicita os seus sentimentos, bem como o uso de uma trilha sonora tocante. Como exceção, há apenas uma cena breve onde ela está sentada em ônibus, com a cabeça encostada no vidro, enquanto uma canção não diegética é tocada.
Adicionalmente, a atriz Emily Beecham aproveita essa grande oportunidade em sua carreira e entrega uma atuação marcante. Na verdade, os modos brutos da sua personagem, que fere todos ao seu redor, poderiam facilmente descambar para o caricato e, por conseguinte, num tom de comédia. Analogamente, cairia na mesma vala da série humorística Fleabag, protagonizada e criada por Phoebe Waller-Bridge. Como resultado da interpretação sólida de Emily Beecham, não é isso o que acontece em Daphne, essencialmente um drama. Até porque, acima de tudo, a sua protagonista é uma pessoa comum.
O roteiro
Além disso, o roteiro de Nico Mensinga acerta ao produzir um arco para sua personagem principal. Na verdade, isso invoca o risco de tornar a estória um padrão de fórmula, mas aqui funciona bem. Então, o único fato não ordinário na vida da protagonista nesse recorte do filme é o assalto. Nesse incidente, sem perceber, ela se solidariza com um atendente de loja que acaba de ser esfaqueado por um assaltante, e salva sua vida. Desta forma, o filme revela que, apesar de sua postura mostrar que ela não se importa com nada, no fundo, Daphne é capaz de sentir empatia até por um estranho.
Do mesmo modo, a trama ganha interesse porque o roteiro mantém em suspense o conteúdo do convite da mãe. A princípio, a filha se recusa a comparecer, e até rasga o envelope. Então, ao ir até o ritual budista, ela finalmente demonstra, também, empatia pela mãe. Ou seja, o arco se completa com a transformação da personagem, que até então não se importava com nada.
Concluindo, Daphne é um filme com os pés no chão, revelando a mudança para melhor de sua protagonista sem encarnar um melodrama de Frank Capra.
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Ficha técnica:
Daphne (Daphne, 2017) Reino Unido, 88 min. Dir: Peter Mackie Burns. Rot: Nico Mensinga. Elenco: Emily Beecham, Geraldine James, Tom Vaughan-Lawlor, Nathaniel Martello-White, Osy Ikhile, Sinead Matthews.