No seu longa de estreia, o diretor Eduardo Wannmacher arrisca uma narrativa fragmentada. Depois de Ser Cinza tem como personagem central Raul (João Campos). Mas o conheceremos através de seu relacionamento com três mulheres: Isabel (Elisa Volpatto), Suzy (Branca Messina) e Manuela (Silvia Lourenço).
O prólogo do filme é um flash forward da última cena, e estabelece o que descobriremos ser o ponto de virada na vida de Raul. O banho de mar, numa praia na Croácia, simboliza que ele resolve encarar o novo relacionamento à sua frente, e deixar as tristezas do passado para trás. Mas isso tudo o enredo traz em pedaços, inclusive a revelação que o namoro que está por começar vingará (a cena da exposição de quadros indica tal afirmação).
O grosso, por assim dizer, da trama se passa na Croácia, quando Raul conhece por acaso outra brasileira, Isabel. Juntos, embarcam num road movie sem destino. Enquanto se conhecem melhor, aos trancos e barrancos, um flashback surge na mente de Raul a partir do questionamento de Isabel, que pergunta se ele machucou alguém no Brasil. Esta é a brecha para revelar seus relacionamentos anteriores. Primeiro com sua melhor amiga Suzy, que o abandonará, e depois com sua terapeuta Manuela, com quem se casará. Uma tragédia marcará o cruzamento destes dois amores, acontecimento tão forte que o levará a outro país.
Montando a narrativa
O exercício que o filme propõe ao espectador, que precisa encaixar essas peças enigmáticas, serve como fio condutor que o estimula a descobrir mais sobre esse protagonista. Mas uma caracterização mais explícita dos espaços evitaria um obstáculo desnecessário nessa atividade mental. Demora, por exemplo, para descobrirmos que a primeira cena, no hotel, se passa no estrangeiro, mais ainda em Dubrovnik. As demais locações também não são facilmente identificáveis. Aliás, fica a dúvida se o ato criminoso de Isabel, que deixa o apartamento com o gás propositalmente ligado, se passa em Porto Alegre ou na Croácia. E essa definição é importante para sabermos se esse foi o motivo de ela fugir do Brasil.
Por outro lado, a direção acerta ao optar pelo estilo clássico de filmar. Os planos fixos valorizam as ótimas interpretações dos atores principais, o que seria prejudicado caso Eduardo Wannmacher filmasse com a câmera trêmula para demonstrar o que os personagens sentem. De fato, ele acerta porque as atuações são suficientes para revelar esses sentimentos. E, afinal de contas, a narrativa fragmentada já é estilosa o suficiente para destacar esse seu belo trabalho de estreia.
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Ficha técnica:
Depois de Ser Cinza | 2020 | Brasil | 98 min | Direção: Eduardo Wannmacher |Roteiro: Leo Garcia | Elenco: Elisa Volpatto, Branca Messina, Silvia Lourenço, João Campos, Otto Caetano, Guilherme Carravetta De Carli, Carla Cassapo, Ida Celina, Catharina Conte.
Distribuição: Boulevard Filmes, Vitrine Filmes.
Trailer aqui.