Em Desejo e Obsessão (Trouble Every Day), Claire Denis inusitadamente trabalha na chave do terror. Motivada, provavelmente, pelo espírito da época que levou ao cinema extremo francês, marcado por filmes como Irreversível (2002), de Gaspar Noé e Alta Tensão (2003), de Alexandre Aja.
Sob uma perspectiva livre das amarras do gênero, o filme desfila indícios de que lida com seres sobrenaturais, vampiros talvez, ou serial killers canibais. Mas, subverte esses cânones. Como em A Professora de Piano (2001), de Michael Haneke, a violência origina do ser humano comum, o que torna os atos ainda mais brutais.
O filme contém cenas repletas de sangue, que jorra das mordidas dos algozes da trama em suas vítimas, atacando como animais carnívoros. No entanto, os ataques não servem para saciar a fome. Ao invés disso, são uma extensão do ato sexual.
Através do sexo, Coré (Béatrice Dalle) atrai suas presas e as ataca em um momento de vulnerabilidade. Depois, cabe ao seu companheiro Léo (Alex Descas) esconder o corpo da vítima e trancá-la para evitar que ela provoque novos assassinatos. Além disso, ele pesquisa o cérebro humano para identificar a causa desse comportamento doentio. Para auxiliar nessa investigação, convoca o seu amigo Shane (Vincent Gallo), que viaja dos Estados Unidos para Paris com June (Tricia Vessey), com quem se casou recentemente. Porém, Shane também parece agir de forma suspeita.
Claire Denis usa poucos diálogos em Desejo e Obsessão, o que instiga o público a deduzir o que se passa nessa estranha história. Cenas paralelas, com diferentes personagens que demoram a se encontrar aguçam ainda mais o espectador. Nesse processo, certamente cogita encontrar uma resposta nos arquétipos do terror no cinema, mas topa com nenhum que se encaixe.
Sexo e violência
O sexo constitui um elemento central do filme. Serve como isca para Coré atrair suas vítimas, como exemplifica o rapaz que se sente compelido a invadir a sua casa a qualquer custo para possuí-la. Ao mesmo tempo, o sexo representa um problema para os recém-casados, pois Shane não consuma o ato sexual até o fim. Abandona June na cama e corre para o banheiro para se satisfazer sozinho. Tais anomalias, porém, não impedem a sensualidade da cena em que Coré e o rapaz invasor se encontram, quando se esforçam para se tocar através dos vãos da porta obstruída por tábuas de madeira.
Mas, Claire Denis filma as cenas de sexo com closes extremos, o que dificulta a identificação de quais partes do corpo aparecem na tela. Portanto, assim impede que exista sensualidade nesses trechos e o que se sobressai é a sensação de estranhamento, que se consolida com a violência dos ataques com mordidas.
A diretora francesa mantém Desejo e Obsessão a característica de realizar filmes enigmáticos, mesmo dentro do gênero terror. Nesta narrativa aberta, o espectador pode exercitar a sua própria interpretação. Talvez Denis pretenda relacionar a violência ao sexo, ou mesmo ressaltar o quão errado é a infidelidade, já que no filme as pessoas atacam letalmente seus parceiros quando fazem sexo fora do casamento. Enfim, esse aspecto é que diferencia o cinema extremo francês do terror típico, razão pela qual passou a ser conhecido como o filme de arte do terror.
___________________________________________
Ficha técnica:
Desejo e Obsessão | Trouble Every Day | 2001 | 101 min. | França, Alemanha, Japão, Luxemburgo | Direção: Claire Denis | Roteiro: Claire Denis, Jean-Pol Fargeau | Elenco: Vincent Gallo, Tricia Vessey, Béatrice Dalle, Alex Descas, Florence Loiret Caille, Nicolas Duvauchelle, Raphaël Neal.