O filme Deslembro mostra o amadurecimento de uma adolescente na época da anistia da ditadura militar em 1979.
Joana (Jeanne Boudier), uma garota de 14 anos, vive no exílio em Paris com sua mãe, um meio-irmão pequeno, o namorado chileno da mãe e o filho pré-adolescente dele. Com a Lei da Anistia, eles resolvem voltar ao Brasil, contra a vontade de Joana, que já está adaptada à vida na capital francesa.
Uma vez no Rio de Janeiro, Joana se aproxima da avó, que ela viu apenas quando era muito pequena. Além de encontrarem uma forte afinidade, se unem para descobrir o que aconteceu ao pai de Joana, que desapareceu após ser levado pelo governo militar brasileiro. Essa revelação é essencial para a garota, porque ela possui um sentimento de culpa pelo destino do seu pai que ela precisa expurgar.
Enquanto isso, Joana faz novas amizades no Rio de Janeiro. Começa a namorar e aprende a fumar maconha. Briga com a mãe, que não quer falar sobre o que aconteceu com o seu pai. Enfim, vive a passagem pela adolescência, como acontece com todo mundo.
Sensibilidade
A direção e o roteiro de Flávia Castro evidenciam uma sensibilidade excepcional. Nesse sentido, a cena de sexo de Joana com seu namorado é filmada com extrema delicadeza. Sem mostrar nudez, a câmera passeia pelos corpos dos adolescentes em close, dando ênfase à pele. Esta se confunde com a areia da praia na cena justaposta em sequência, que é coberta pela água da praia, simbolizando a umidade característica do tesão. As ondas da maré entrarão novamente no filme, logo após a briga de Joana com sua mãe, nesse caso, uma metáfora do sentimento de raiva.
Outra cena que demonstra um planejamento prévio para conduzir a narrativa com imagens é aquela que contém o clímax do filme. Então, vemos Joana em seu quarto, pela fresta da porta semiaberta. À medida que a mãe abre a porta lentamente para entrar e conversar com ela, notamos a abertura que a adolescente sentirá com a revelação sobre o destino do pai. Uma abertura que dialoga com aquela iniciada pela ditadura com o decreto da anistia.
A personagem ditadura
A ditadura atua no filme como se fosse uma personagem, presente em todas as cenas. É, inclusive o motor da trama, aquele que movimenta a família de onde vivem, o exílio, para o Brasil. Em alguns momentos, a presença do governo militar é sutil. Na escola, na aula sobre o Aleijadinho, o último plano foca o detalhe das mãos de uma estátua presa por uma corda. Quando Joana brinca com o meio irmão mais novo, usam bonecos diversos, e os soldados são os inimigos.
Já em outros trechos, a ditadura ganha presença mais contundente. Joana força sua memória para se lembrar dos últimos minutos que conviveu com o pai. Surgem imagens turvas, com diálogos incompreensíveis. Essa lembrança confusa provoca nela o sentimento de culpa, pois ela acredita que é a responsável pelo fato de os militares terem encontrado seu pai. Essa atitude comum às crianças, que creem que podem causar algumas consequências que estão além de suas capacidades, sumirá com a conversa com a mãe.
É o primeiro passo para seu amadurecimento, assim como a anistia é para o Brasil.
Deslembro consegue ótimas atuações de seus protagonistas, principalmente aqueles que misturam com naturalidade três idiomas (francês, espanhol e português). Mesmo com esse diferencial, poderia ser mais emocionante, porém o filme opta por manter as emoções contidas.
Ficha técnica:
Deslembro (2019) Brasil. 96 min. Dir/Rot: Flávia Castro. Elenco: Jeanne Boudier, Sara Antunes, Eliane Giardini, Hugo Abranches, Arthur Raynaud, Jesuíta Barbosa, Julián Marras, Marcio Vito
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